UOL Viagem

03/08/2009 - 07h00

Voo duplo no Rio de Janeiro agrega bela paisagem à experiência de voar

LUIZ CITTON
Colaboração para o UOL Viagem*
São quase 9h30 da manhã. Em pé, de frente ao balcão da Associação Brasileira de Vôo Livre, vou assinando alguns termos de responsabilidade quando Glauco dispara: "O voo duplo de asa-delta no Rio de Janeiro está para o mundo dos esportes radicais em um patamar equivalente ao bungee jumping da Nova Zelândia". Glauco, piloto da empresa Megafly, tem 14 anos de experiência e mais de 4.000 voos duplos nas costas. Sua fala, dotada de uma natural tranquilidade adquirida durante um considerável tempo de voo com os pássaros, destoa da minha. Eu era ali um "marinheiro de primeira viagem" prestes a me jogar de uma pedra a 525 metros do chão.
  • Luiz Citton/UOL

    Momento em que uma turista estrangeira inicia o voo com instrutor da pista de Pedra Bonita, no Rio de Janeiro

Realizar um voo duplo de instrução no Rio de Janeiro não demanda muito trabalho. Existe um número considerável de empresas, filiadas à Associação, que realizam este serviço na Praia de São Conrado, local de encontro entre os pilotos e seus "passageiros". A maioria delas se divulga através dos hotéis ou agências de viagens e algumas oferecem ainda o traslado. O cliente entra em contato, agenda o voo e um carro vai buscá-lo no hotel. "Se tudo der certo, o carro levará o cliente de volta ao hotel", brinco, tentando amenizar a tensão. Glauco me explica ainda que, apesar de não parecer, voar de asa-delta é um esporte bastante seguro. "Um dos fatores que faz da Pedra Bonita uma pista de decolagem tão segura é o fato de termos, durante o ano todo, uma constância de boas condições de vento e visibilidade."

Depois de agendado o voo, o ponto de encontro acontece em frente a Associação de Vôo Livre onde o passageiro deve pagar uma taxa de R$10, assinar alguns termos de responsabilidade e aguardar a abertura da rampa que acontece todos os dias às 8h. Cheguei por ali bem cedo, por volta das 8h45, mesmo sabendo que o Glauco tinha marcado comigo às 10h. Queria registrar toda a preparação, fazer algumas fotos do lado de baixo e me ambientar um pouco mais. Tanta espera me deixou com mais frio na barriga.

"Será que conseguiremos saltar hoje? Está tudo coberto lá em cima", aponto para o cume do morro em tom ansioso. "Já vai limpar", emenda Glauco quando o nosso apoio encosta o carro para nos pegar. Os pilotos contam sempre com uma pessoa a mais na equipe que prepara o material, monta a asa e depois desce com o carro morro abaixo para desmontar o equipamento. Assim, o instrutor pode se concentrar o tempo todo no cliente, passar as informações, tranquilizá-lo e prepará-lo para o salto.

Preparativos

Subir de carro pelo Parque Nacional da Tijuca já é em si uma atividade extremamente relaxante. A Floresta da Tijuca é a terceira maior área verde urbana do mundo, ficando atrás apenas do Parque Estadual da Pedra Branca, no Rio, e do Parque da Cantareira em São Paulo. No volante, Glauco responde às minhas perguntas entre uma curva e outra. "Quais são as restrições físicas que podem impedir alguém de pular?", certo de que se ele me respondesse bronquite eu já pediria para parar o carro que eu iria descer. Ele me explica, no entanto, que as restrições são mínimas. Costuma-se falar que o peso do passageiro deve ser de até 90kg. Não que a asa não aguente, mas esta medida de segurança é comumente adotada pois na decolagem a pessoa tem de estar apta para correr ao lado do piloto, e se isso não acontecer, o piloto tem que carregar seu companheiro no braço.

"Já voei com pessoas de mais de 100kg. Já fiz voos com crianças de 4 anos de idade e até com um senhor de 70 anos". Ouvindo as histórias do saltos, ao chegar ao topo do morro eu quase já não tinha medo. Paramos o carro. O tempo realmente tinha aberto, não havia mais nuvens. Uma escadaria me separava da rampa de madeira construída sobre a pedra.

Enquanto vestia o equipamento de segurança, o capacete, uma espécie de calça cheia de fivelas que me prenderiam à asa, sob a supervisão de Glauco eu ouvia atento às instruções. O momento mais importante em um voo duplo de asa-delta é a decolagem. Nesta manobra o controle do equipamento está dividido entre o piloto e o passageiro então, para não comprometer o salto, o marinheiro de primeira viagem tem que fazer tudo direitinho como manda o instrutor. "Você vai correr ao meu lado, com a mão esquerda sobre meu ombro. No final da rampa não pule e não coloque as mãos na barra de controle da asa. A outra mão você pode segurar nesta alça aqui", e aponta para mais uma fivela localizada perto de onde iria um cinto, se aquelas fossem calças normais. Treinamos em solo firme como seria a corrida na rampa e com tudo ensaiado só restava esperar a nossa vez.

Acoplada em uma das extremidades da asa fica uma câmera fotográfica. O controle da máquina, através de um fio extensor vai até a mão do piloto. Há ainda a opção de acoplar uma câmera filmadora para registrar em vídeo todo o voo. Enquanto espero, observo uma moça muito branca e de cabelos loiros que, ao lado de outro piloto, já está de frente para a orla, no comecinho da rampa da Pedra Bonita. Me aproximo um pouco para acompanhar as instruções que o instrutor Marcos, conhecido por ali como Qüem, dá para a turista momentos antes do voo. Falavam em inglês e Marcos depois me explicaria que a grande maioria das pessoas que procuram os saltos de asa-delta são turistas de fora do país. "Na minha empresa, a QuemFly, a maioria das ligações em busca de voos é de gringos".

A dupla dispara rampa abaixo e, preocupado em fazer dali algumas fotos de um voo que não o meu, só consigo ouvir de longe o grito de emoção da moça quando ganhou o céu. Chegara a minha vez. Glauco tinha terminado de montar a câmera fotográfica, repassou com o apoio a checagem do equipamento e junto comigo levou a asa para o início da rampa. Deixo mochila, câmera e meus objetos pessoais no carro de apoio e lanço um "nos vemos lá embaixo" ao outro membro da equipe.

Hora de voar

De frente para a pista de salto sinto o frio na barriga voltar. Glauco repassa comigo o que havíamos ensaiado sobre a corrida enquanto observamos o vento ideal chegar em uma biruta perto de nós. Naquele momento não sabia se olhava para a imensidão do oceano à minha frente, para o penhasco em que ia me jogar ou se prestava atenção em meus pés tentando não tropeçar naquele emaranhado de fivelas. Vento bom. Glauco se vira pra mim, dá dois tapinhas nas minhas costas e dispara: "Vamos! Corre corre corre do meu lado sempre corre vai vai corre não pula vai vai corre corre corre mais um pouco corre corre corre..."
  • Luiz Citton/UOL

    Visual da rampa da Pedra Bonita, no Rio de Janeiro. A sensação no momento do voo é uma mistura de medo e admiração

Me lembro de ter tido duas distintas sensações antes de raciocinar que estava voando. A primeira delas, quando a rampa estava prestes a acabar, me remeteu àqueles sonhos em que a gente sai voando. Olhando para os meus pés, corria no ar, meu corpo estava leve e eu sentia que a decolagem era muito suave, como nos filmes dos super-heróis em que o mocinho põe a mão para cima, pensa "vou sair voando agora" e simplesmente sai. A segunda delas foi bem parecida às descidas súbitas de uma montanha-russa. Assim que a rampa acaba e o peso dos corpos recai totalmente sobre o equipamento, a asa perde altitude bruscamente até adquirir maior velocidade para voltar a se sustentar. Nesse momento senti que tinha feito algo errado, que a asa estava caindo e meu estômago "subia para a boca". Adrenalina devidamente liberada na decolagem, eu me recompunha da emoção forte ainda boquiaberto com tudo que eu podia ver dali de cima.

"Olha para a direita e sorria, vamos fazer uma foto", ordena Glauco, quando então descubro que o voo livre é tão tranquilo que se pode conversar enquanto voamos. A sensação de imponderabilidade é única, não há ruído, e o único som que nos rodeia é o do vento passando pela tela da asa. Glauco aponta um grupo de gaivotas e diz que ali deve haver uma térmica. As térmicas são correntes de ar quente que, em seu movimento de subida, projetam a asa fazendo-a ganhar altitude. Fazemos algumas voltas alternando sempre entre perdas e ganhos de altitude e velocidade.

O visual que se tem da pedra e durante o voo são impressionantes. É possível avistar a Zona Oeste, grande parte da Zona Sul, a Floresta da Tijuca e a Pedra da Gávea. Sob nós, mansões deitam sobre o morro próximo a praia de São Conrado. "Niemeyer mora naquela casa ali" aponta Glauco quando executa mais uma manobra, desta vez levando a asa para um voo sobre o mar. Começo a enxergar a área de pouso. A descida das asas acontece na areia da praia, em frente à sede da Associação. Antes de iniciar o procedimento de pouso, fazemos algumas acrobacias leves que consistem em aumentar a velocidade da asa, fazê-la perder sustentação propositalmente e curvas mais fechadas. "Esta última se chama Superman", explica Glauco quando começa o procedimento de pouso.

Três ou quatro voltas mais fazem a asa passar já bem perto do solo. Com as pernas soltas, voando agora na posição vertical, Glauco explica como será o pouso. "Vou sobrevoar bem rente à areia e quando eu mandar você coloca os pés no chão. É mais alto que eu, vai tocar o solo antes". Atento, dou uma última olhada no mar a minha direita. Pousamos. O calor da praia sobe sob nossos pés, já era quase meio dia. O voo costuma durar de 10 a 15 minutos e que para mim pareceram 2 ou 3.

No quiosque em frente a praia, com a sensação de dever cumprido, me livro da parafernalha de equipamentos de segurança que iam amarrados ao meu corpo enquanto Glauco grava as fotos do nosso vôo em um CD. Agradeço ao meu instrutor, fazemos um brinde à minha estréia enquanto chega o nosso apoio com meus objetos pessoais. Me despeço e jogo o CD com as fotos do salto no fundo da mochila, um pouco desinteressado. Naquele momento só eu sabia, em minhas lembranças, porque também lá de cima chamam o Rio de "A Cidade Maravilhosa."

MAIS INFORMAÇÕES

Associação Brasileira de Vôo Livre
Praia do Pepino - São Conrado
www.abvl.com.br

MegaFly
Glauco Cavalcanti
Tel: (21) 7838-2708
www.megafly.com.br

EasyFly Rio
Márcio Borges
Tel: (21) 9966-9346
www.easyflyrio.com.br

QüemFly
Marcos (Qüem)
Tel: (21) 7836-3026
www.quemfly.com.br

* O colaborador Luiz Citton voou de asa-delta a convite da MegaFly

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