UOL Viagem

22/09/2008 - 19h11

Turismo religioso atrai fiéis de todo o mundo e tem agência especializada

ELISABETTA POVOLEDO
New York Times Syndicate

Fotos John Wreford/NYT

Visitante observa história de santo em capela em Damasco, capital da Síria

Visitante observa história de santo em
capela em Damasco, capital da Síria

A cerca de cinco metros abaixo do atual nível da rua de Damasco, a capital da Síria, ao largo da "Rua Chamada Direita", fica uma capela apertada, iluminada artificialmente, com paredes de pedras de corte rudimentar e contendo alguns bancos modernos. A gruta já fez parte de uma casa onde, há 2.000 anos, Saulo de Tarso teria se abrigado após ter ficado cego por uma luz celestial, o incidente que o converteu ao cristianismo. Ele saiu daquela casa como o apóstolo Paulo.

Em uma recente noite quente de verão, esse evento histórico estava presente na mente dos cerca de 20 fiéis que assistiam de forma reverente enquanto um padre permanecia em pé diante de um altar moderno em uma ponta da pequena sala, arrumava os itens litúrgicos que trouxe consigo, acendia as velas e celebrava a missa.

"Na tradição de legiões de peregrinos, nós nos vemos fazendo o mesmo que os primeiros cristãos", disse o padre Cesare Atuire durante o sermão, que tratava da importância da mensagem de Paulo na sociedade contemporânea.

Desde junho, encontros semelhantes estão ocorrendo em igrejas por todo o mundo, depois que o papa Bento 16 inaugurou o ano do jubileu do segundo milênio do nascimento de Paulo, que os historiadores situam entre o ano 7 e o ano 10.

Mas, para muitos dos atuais peregrinos, nada se compara à experiência de viajar pela estrada para Damasco. "É uma coisa os cristãos lerem as Escrituras Sagradas, outra vir aqui e ver onde as coisas aconteceram", disse o padre Atuire, que é presidente-executivo da Opera Romana Pellegrinaggi, ou ORP, uma agência de viagem apoiada pelo Vaticano que, no ano passado, levou 300 mil peregrinos a templos religiosos por todo o mundo, incluindo sua cidade natal, Roma.

Além dos cristãos

É claro, os cristãos não são os únicos demonstrando interesse pelo turismo religioso. Os participantes do Kumbh Mela, um festival hindu itinerante, já chegam a 75 milhões, e a cada ano cerca de dois milhões de muçulmanos fazem a peregrinação para Meca, na Arábia Saudita.

Nem Damasco é o único lugar para onde os cristãos viajam atualmente. Lourdes, na França, que foi visitada pelo papa em setembro para celebrar o 150º aniversário da aparição da Virgem Maria em uma gruta, atrai em média seis milhões por ano, e San Giovanni Rotondo, lar do templo do frade São Pio, atraiu oito milhões para Puglia, Itália, no ano passado.

Os destinos de peregrinação, mesmo os não convencionais, estão reconhecendo o potencial para crescimento. A Síria, não exatamente um destino de férias proeminente para turistas ocidentais (o governo americano "nem sempre nos retrata de um bom modo", disse o ministro do turismo da Síria, Sadallah Agha al-Qala, em uma recente entrevista), tem extraído o máximo das celebrações do Ano Paulino. "Nós estamos tentando dar importância ao jubileu", disse Agha al-Qala. Tanto os sírios muçulmanos quanto os sírios cristãos "se orgulham do papel de Damasco na história do cristianismo".


Convento em Seidnaya, na Síria, possui uma imagem milagrosa da Virgem supostamente pintada por São Lucas


Uma série de eventos, concertos, conferências, coordenados pelas múltiplas comunidades cristãs do país e pelo governo deste mais secular dos países árabes, deu início ao Ano Paulino, que vai até 29 de junho de 2009. "Foi uma experiência única" assistir aos líderes cristãos e muçulmanos celebrarem juntos, "falando a mesma língua e compartilhando as mesmas emoções", disse Agha al-Qala. Outra série de eventos que durará uma semana, coordenada juntamente com a ORP, está marcada para terminar em 25 de janeiro, a suposta data da conversão de Paulo.

A Síria também terá um papel de destaque na Josp Fest, uma feira de agentes, agências de turismo e organizações especialistas em peregrinações, ou "jornadas do espírito", que a ORP está organizando em Roma em janeiro. Até o momento, 60 países concordaram em participar.

A ORP foi fundada em 1934 para fornecer apoio logístico e espiritual às peregrinações patrocinadas pelas paróquias romanas. Até poucos anos atrás, a organização do Vaticano trabalhava apenas com grupos e paróquias; agora, indivíduos correspondem a 40% de seus negócios.

A oração é central para a experiência da peregrinação, e guias espirituais acompanham cada grupo para celebrar a missa e estimular a discussão. Na Síria, onde 225 peregrinos visitaram por meio de excursões das organizações até o momento neste ano, os grupos podem refletir sobre as Cruzadas enquanto sobem os baluartes de um castelo fortificado conhecido como Crac des Chevaliers, ou sobre a tradição da pintura de ícones bizantinos estimulada por uma visita ao convento em Seidnaya, que possui uma imagem milagrosa da Virgem supostamente pintada por São Lucas.

Então, dentro da Mesquita de Umayyad, a estrutura do século 8 que abriga a suposta cabeça de São João Batista, a conversa pode se voltar às relações entre cristãos e muçulmanos e a reverência compartilhada por esta figura histórica. A ORP tem aumentado constantemente suas propostas e destinos de peregrinação. Isso inclui uma viagem a Mianmar, onde os peregrinos podem visitar comunidades missionárias.

Avião com tema bíblico

Para aumentar o acesso aos seus pacotes de peregrinação a santuários como Fátima, em Portugal, ou à Terra Santa, a ORP (www.josp.com) tem fechado acordos com empresas de turismo como a Sabre Holdings, que é dona de empresas de turismo temático como a Travelocity.com. (A viagem de oito dias para a Síria, com partida de Roma, custa 1.150 euros, ou US$ 1.687, com o euro cotado a US$ 1,50, mais uma taxa de inscrição de 30 euros e mais 100 euros para taxas e sobretaxas de combustível.)

No ano passado, ela deu início ao seu próprio serviço de vôo fretado de peregrinação para ajudar a conter os preços e superar as limitações espirituais da "viagem moderna, que tendem a disparar as pessoas como torpedo de um lugar ao outro", disse o padre Atuire. A decoração de tema bíblico do interior do avião e comissários de bordo especialmente treinados visam contribuir para a meditação. É claro, Roma continua sendo o destino mais popular, e a organização não se acanha em promover seu status de empresa de dentro da Igreja. ("Com medo de filas?", pergunta a propaganda no site da ORP, que mostra uma longa fila de turistas cansados serpenteando ao lado de uma parede que leva à entrada dos museus do Vaticano, uma vista comum em Roma.) Por 25 euros, que inclui um guia de áudio, apenas 5 euros a mais do que o ingresso normal cobrado com guia de áudio, a organização promete uma experiência livre de espera na fila.

"É o mínimo que podemos fazer", disse o padre Atuire, rindo. "Nós somos, afinal, a igreja de Roma."

Tradução: George El Khouri Andolfato

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