Ana Moura está em transe. Olhos fechados, cabeça inclinada para trás, a diva portuguesa de 28 anos, vestida de preto, deixa seu cabelo longo, escuro, cobrir metade de seu rosto enquanto enche o ar com um lamento noturno ascendente.
Ao lado dela, dois violonistas dedilhavam um acompanhamento em tom menor enquanto a voz da cantora ecoava pelas paredes de pedra do século 16 da Casa de Linhares (Beco dos Armazéns, 2; 351-21-886-5088; www.casadelinhares.com), talvez o clube de música com atmosfera mais antiga no bairro medieval de Alfama, em Lisboa.
"Os lençóis ondas de mar / Onde fomos naufragar", ela canta, evocando uma mistura de imagens de navegação e melancolia tão profundamente impregnados no fado, a música acústica folclórica tradicional da cidade.
Quando a noite cai sobre o Castelo de São Jorge, no alto da colina, e a escuridão toma as ruas de paralelepípedos abaixo, as veneráveis casas de fado do bairro ganham vida, reverberando com música noturna madrugada adentro. O público lota os porões de pedra abobadados. Os garçons servem pratos de chouriço, bacalhau tradicional e garrafas de vinho tinto português. E cantores de todas as idades, a maioria mulheres, se revezam no cantar de histórias viscerais de perda em melodias cristalinas.
No ano passado, Mick Jagger, Keith Richards e outros membros dos Rolling Stones vieram à Casa de Linhares para assistir Moura se apresentar. Ela acabou colaborando em versões adaptadas dos clássicos "Brown Sugar" e "No Expectations" , para um futuro álbum de canções dos Stones.
E apesar das origens do fado serem um tanto nebulosas --ele já foi rastreado até os invasores mouros, escravos brasileiros e marinheiros portugueses com saudade de casa-- suas emoções poderosas são claramente universais. Como a própria meia-noite, a música é sombria, misteriosa e totalmente envolvente.
"Eu certa vez ouvi uma senhora dizer, chorando, 'Eu não consigo entender as letras, mas posso senti-las no meu interior'", disse Moura. "É o que acontece com o fado."
Tradução: George El Khouri Andolfato
Praga
Uma vez por mês, música alta e pulsante dentro de um bonde que circula pela madrugada da cidade