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Ela trocou emprego em banco por viajar e ser voluntária em países pobres

Compartilhando cerveja com Gogo, uma senhora de 90 anos do Zimbábue, em 2013 - Arquivo pessoal
Compartilhando cerveja com Gogo, uma senhora de 90 anos do Zimbábue, em 2013 Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para o UOL

25/02/2019 04h00

Angelina Megumi Yamada, 37, trabalhava no mercado financeiro havia dez anos quando pediu demissão do banco e decidiu viajar por mais de 40 países. Mas nada de Paris ou Nova York na lista: como o objetivo era o autoconhecimento, ela trocou destinos óbvios por países pobres.

Foi assim que, de 2012 a 2014, ela se dedicou às três atividades que mais ama: fotografar, fazer mochilão e ser voluntária. Ao UOL Viagem, a hoje consultora de projetos sociais conta como acabou dando colo a bebês abandonados e ensinando uma nova profissão a ex-prostitutas portadoras de HIV.

"Eu estava com 30 anos quando senti a necessidade de descobrir quem eu era de verdade, me conhecer melhor, saber meus limites, o que gostava, o que não gostava. Eu já fazia voluntariado desde os meus 14 anos e era mochileira desde os 21. Decidi unir essas duas paixões à fotografia. Saí do emprego e parti à procura de algo diferente.

Minha ideia era ficar fora por pelo menos um ano -- eu só tinha a data de ida. Meu roteiro visava países pobres que precisavam de ajuda, como Timor Leste, Uganda, Geórgia, Malawi, Bangladesh.

Eu tinha um orçamento de R$ 2 mil por mês. Ao final dos 20 meses de viagem, eu gastei R$ 40 mil. Sempre que eu economizava do meu dinheiro (porque alguém me dava comida ou hospedagem), eu revertia o valor em doação para projetos sociais.

Angelina em um vilarejo de Bangladesh, em 2014 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Angelina em um vilarejo de Bangladesh, em 2014
Imagem: Arquivo pessoal

Escolhi o Haiti como ponto de partida após ler um comunicado informando que o país ainda não havia se recuperado do terremoto e necessitava de ajuda. Aquilo tocou meu coração. Eu fui para lá e, durante um mês, ensinei inglês para crianças de 6 a 12 anos em uma escola pública e em um abrigo. Foi interessante, mas eu percebi que eu queria realizar algo mais sustentável, que causasse um impacto maior.

Passei a fazer a seguinte pergunta, o que estou fazendo: é para mim, é para eles ou é para nós? Meu objetivo era alcançar o 'para nós'.

Angelina, à esquerda, posa com crianças em campo de refugiados de Mafraq, na fronteira entre Jordânia e Síria, em 2013 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Angelina posa com crianças em campo de refugiados de Mafraq, na fronteira entre Jordânia e Síria
Imagem: Arquivo pessoal

Dava amor e colo a bebês abandonados em maternidade

Com esse novo pensamento, fui ser voluntária em uma maternidade na Albânia. Meu papel era dar amor, afeto e colo a recém-nascidos que haviam sido abandonados pelos pais nos primeiros dias de vida. Meu propósito era fazer com que eles não se sentissem desamparados.

Havia dez bebês. O que mais me marcou foi uma menininha com Síndrome de Down, e que não havia sido encaminhada para a adoção até o período em que eu estive lá. Ela era tão pequena e já havia sido rejeitada duas vezes: primeiro pela mãe e, depois, pela sociedade.

Uma característica muito importante no voluntariado é saber escutar o outro. Comprovei isso durante um trabalho que fiz em 2013, no campo de refugiados de Mafraq, na fronteira da Jordânia com a Síria. Fiquei amiga de um agente da polícia secreta, e ele me colocou lá ilegalmente. Como eu não falava árabe e esse policial sabia inglês, ele traduzia as minhas conversas com os refugiados.

Basicamente eu ouvia as histórias, e, ao identificar alguma dificuldade ou carência, eu me oferecia para ajudar. Eles nunca me pediam nada.

Várias famílias relataram que seus filhos não iam à escola e ficavam muito ociosos. Porque não havia vaga ou a escola era muito longe. Tive a ideia de comprar livros e brinquedos na cidade e levei para entretê-los. Além disso, fotografava os bebês que nasciam lá e presenteava as mães com as imagens.

O que mais me chamou a atenção nessa vivência foi escutar histórias de pessoas comuns, que tinham uma vida normal, como a minha -- trabalhavam, estudavam, tinham casa, carro, dinheiro -- e, de um dia para o outro, tiveram suas vidas mudadas drasticamente por causa da guerra. Eu me colocava no lugar delas.

Angelina também fotografava o que flagrava pelo caminho, como estas meninas aprendendo artesanato, no Quênia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Angelina também fotografava o que flagrava pelo caminho, como estas meninas aprendendo artesanato, no Quênia
Imagem: Arquivo pessoal

Comprei lingeries para ex-prostitutas venderem

Eu nunca demorava mais do que três dias para arranjar um trabalho voluntário. Na Índia, usei meus conhecimentos da graduação em Administração de Empresas para ensinar a comunidade a gerar renda.

Participei de um projeto de um hospital onde auxiliei profissionalmente 25 ex-prostitutas que eram portadoras de HIV. Após ouvir várias sugestões de trabalhos que elas poderiam executar, chegamos a um consenso e eu investi US$ 150 na compra de lingeries para elas venderem.

Junto das peças íntimas, elas colocavam camisinhas e comercializavam nos bordéis e entre ex-colegas de profissão. Minha intenção era mostrar a essas mulheres o valor que elas tinham, ensiná-las novas habilidades e provar que elas eram capazes de ganhar dinheiro por meio de outro ofício.

Durante a viagem, também desenvolvi um projeto chamado "Photos for a Cause", que consistia em fotografar, vender as fotos e utilizar o valor para auxiliar nas necessidades das pessoas. Consegui arrecadar quase R$ 10 mil assim.

Usei parte desse recurso no Quênia, para comprar materiais escolares para crianças e jovens e adquiri uma máquina de costura e produtos de artesanato para um grupo de meninas que engravidaram na adolescência e foram expulsas de casa. Elas aprenderam a confeccionar colares e brincos, e depois vendiam a mercadoria. A melhor forma de agradecimento que eu recebia delas era a alegria, o sorriso no rosto, o abraço, o brilho nos olhos.

Aqui, a ex-bancária confraternizava com locais, na Etiópia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Aqui, a ex-bancária confraternizava com locais, na Etiópia
Imagem: Arquivo pessoal

Caminhei na Etiópia distribuindo presentes nos vilarejos

No meu aniversário de 32 anos, uma amiga me presenteou com US$ 100 e eu resolvi gastar de um jeito diferente: uma troca, onde meu presente seria me conectar com as pessoas. Andei por setes dias na Etiópia comprando produtos locais -- chinelo, sabonete, caixa de fósforo, bolacha -- e saía distribuindo entre os próprios moradores dos vilarejos.

Caminhava das 10h às 17h, com pausas ao longo do dia. Eu não falava o idioma deles, então nos comunicávamos por gestos. Eu me aproximava com um sorriso, eles me convidavam para entrar. Eu brincava com as crianças tirando fotos, elas se divertiam. No final, eu entregava os produtos.

Eles tinham muito pouco, o mínimo, mas me ofereciam o que podiam: comida, água, um lugar para dormir.

Dos 20 meses de viagem, 13 foram para trabalhar. Nos outros consegui passear um pouco e fiz um curso de meditação. O que mais aprendi nessa jornada foi olhar internamente e externamente, percebi que posso fazer muito mais do que imagino para mim e para o outro. Descobri a minha missão nesse mundo: ajudar o meu próximo de diversas maneiras".