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De tapa na cara à algema: 8 histórias de passageiros que surtaram no avião

Aeromoça já levou até tapa na cara de passageiro que perdeu a cabeça no voo - Getty Images
Aeromoça já levou até tapa na cara de passageiro que perdeu a cabeça no voo Imagem: Getty Images

Marcel Vincenti

Colaboração para o UOL

06/02/2017 04h10

Comissários de bordo despertam inveja em muita gente. Trata-se, afinal, de profissionais que ganham dinheiro para viajar e, ainda por cima, se vestem com muito estilo.

Tal trabalho, porém, não é apenas glamour: quando as portas da aeronave se fecham, a magia das viagens aéreas pode se transformar rapidamente em pesadelo. Basta que um passageiro tenha um ataque de pânico, uma explosão de agressividade ou um colapso físico para que os tripulantes entrem em uma maratona de estresse.

Por diferentes razões, viajantes surtam em aviões com enorme frequência. Como nem sempre estas histórias chegam aos ouvidos do grande público, o UOL resolveu conversar com comissários de bordo para que eles contassem quais foram as situações mais críticas que passaram ao lidar com viajantes que perderam a cabeça no meio de uma jornada aérea.

Veja os relatos abaixo. Para resguardar o emprego dos tripulantes que falaram conosco, a maioria dos nomes que aparecem na matéria são fictícios:  

1 - "A gente adora algemar idiotas"

Poucos sabem, mas comissários de bordo passam por um curso que os ensina a imobilizar passageiros agressivos. Nestes casos, os tripulantes usam algemas de plástico que estão disponíveis dentro dos aviões. A comissária Tatiana, que há anos trabalha em uma companhia aérea do Oriente Médio, já passou por uma situação em que as algemas tiveram que ser utilizadas.

Algemas parecidas com a da foto podem ser usadas para imobilizar passageiros - Creative Commons - Creative Commons
Algemas parecidas com a da foto podem ser usadas para atar passageiros
Imagem: Creative Commons

"Houve um voo em que um passageiro encheu a cara e começou a ficar violento, xingando os tripulantes, sem nenhum motivo, de filhos da p***", conta ela. "Nestes casos, seguimos um procedimento: primeiro damos um aviso verbal para o encrenqueiro, pedindo que ele se acalme. Se não funcionar, entregamos uma advertência escrita, exigindo que ele pare de causar confusão. Adotamos este procedimento com este homem, mas ele ficou mais exaltado e continuou a nos xingar. Consideramos que, a qualquer momento, ele poderia colocar a integridade das pessoas a bordo em risco. Alguns comissários mais fortes, então, decidiram imobilizá-lo. O cara ficou com as mãos atadas até o fim da viagem e tudo ficou mais tranquilo. Nós adoramos algemar idiotas", completa a comissária.

2 - Tomando tapa na cara

Ataques de fúria de passageiros não se resumem em apenas gritos e xingamentos. A comissária Luísa, por exemplo, já tomou até tapa na cara de um homem que surtou dentro da aeronave. "Era um senhor que parecia ter Alzheimer", diz ela. "Tínhamos acabado de fechar as portas ao avião, mas o comandante fez um anúncio informando que aguardaríamos dez minutos além do previsto para decolar. Neste momento, o senhor se levantou e falou: 'quero sair'".

"Tentei explicar que precisávamos aguardar um pouco antes que ele pudesse desembarcar da aeronave, mas ele começou a chutar tudo à sua frente e tentou abrir a porta dianteira. Eu o segurei, mas ele ficou mais agressivo e me deu um tapa na cara. A esposa dele tentou puxá-lo, mas tomou um tapa na cabeça também. Ele ainda arranhou outros comissários, enquanto tentava caminhar em direção à porta do avião. Tivemos que usar algemas de plástico para contê-lo. Depois que foi imobilizado, a Polícia Federal entrou na aeronave e o passageiro foi desembarcado. Não sei se ele terminou preso por agressão".

3- O médico que não conseguiu atender a própria filha

O chefe de cabine Márcio presenciou uma cena chocante durante sua carreira nos ares. "Em um voo na época de férias, havia uma família a bordo: pai, mãe e filha", relembra ele. "No meio da viagem, a menina ficou em estado de choque, sem nenhuma razão aparente. Ela travou, não conseguia nem piscar. O pai começou a chorar e a gritar, implorando por ajuda. Achamos um médico a bordo e, no momento em que ele estava examinando a menina, ela 'acordou'".

Menina sofre com dor de ouvido durante o voo (avião) - Getty Images - Getty Images
Crianças também são passíveis de passar muito mal dentro de aviões
Imagem: Getty Images

Márcio conta que a menina voltou a si como se nada tivesse acontecido, perguntando "o que está acontencendo?", "por que você está chorando, papai?". "O mais chocante foi que, depois, descobri que o próprio pai dela era médico, mas ele entrou em um estado de pânico extremo que o incapacitou de atender a própria filha. Por sorte, a criança completou o voo com tranquilidade e foi atendida por paramédicos logo depois de o avião aterrissar. Nada de grave aconteceu com a criança".         

4 - A mulher que entrou no voo errado

Não é lenda: há passageiros que entram em voos errados. Isso aconteceu na aeronave de uma companhia aérea brasileira que viajava à capital baiana e na qual trabalhava a comissária Carla. Ela conta que, logo depois da decolagem, fez o anúncio para os passageiros: "dentro de três horas, pousaremos na cidade de Salvador". Logo em seguida, uma passageira idosa a chamou, dizendo: "moça, você está errada. Este avião está indo para Guarulhos, não para Salvador. Vocês, aeromoças, ficam voando de um lado para o outro e ficam perdidas que nem baratas tontas".

Tanto Carla como outros passageiros convenceram a mulher de que ela havia ingressado no voo errado e, neste momento, ela surtou: "a velhinha começou a gritar, exigindo que a aeronave descesse imediatamente para que ela pegasse o voo para Guarulhos", relata Carla. "Ela falou que o avião tinha que descer ali mesmo, no meio do nada. Por sorte, a senhora tinha um calmante na bolsa. Após tomá-lo, ela dormiu e teve sua estadia em Salvador e o voo de lá para São Paulo, realizado no dia seguinte, pagos pela empresa aérea. Foi uma situação estressante, mas tive uma crise de riso quando contei esta história para minha chefe de cabine".   

5- Enganando o passageiro (para seu próprio bem)

Às vezes, comissários de bordo precisam realizar encenações dignas de um Oscar para acalmar passageiros. É o caso de Bianca que, certa vez, teve que se desdobrar para tranquilizar um viajante que entrou em pânico no avião. "No meio do voo, vimos que o homem estava apavorado e ele começou a nos chamar para realizar um pedido extremamente inusitado: queria fazer um telefonema para sua família desde a aeronave para avisar que estava chegando".

Passageiro com medo de voar de avião - Getty Images - Getty Images
Comissários já tiveram que mentir para acalmar passageiros em pânico
Imagem: Getty Images

"Dissemos que isso era impossível de ser feito, mas ele não se contentou: estava obcecado em ligar para sua família, talvez para se tranquilizar". Segundo Bianca, o passageiro começou a perturbar todos os tripulantes e a atrapalhar o atendimento aos outros viajantes. Foi então que a comissária montou um pequeno teatro para esfriar os ânimos do homem. "Ele estava sentado bem perto de um dos interfones da aeronave. Eu pedi o número do telefone de sua mulher e disse que ia ligar para ela a partir daquele aparelho [que, logicamente, não faz chamadas deste tipo]. Ele acreditou e eu tive que fingir que estava falando com alguém do outro lado da linha, pedindo para a pessoa se tranquilizar, que seu marido estava são e salvo voando conosco. O passageiro ouviu toda a conversa e acabou ficando bem mais calmo. Todos os outros tripulantes agradeceram minha atitude".     

6- Bronca do comandante

"Muitas pessoas que têm medo de voar acabam bebendo demais no avião", diz a ex-comissária Karen Domingos, que trabalhou em uma extinta companhia aérea brasileira e que hoje ganha a vida como atleta fitness. "Naquela época, servíamos uísque para os passageiros, e percebi que um dos viajantes já havia tomado seis doses da bebida e estava embriagado. Quando ele pediu a sétima dose, eu falei que não iríamos mais lhe servir uísque. Foi então que ele surtou: o homem jogou o copo para o alto e voou gelo e resto de bebida para todos os lados, atingindo pessoas que estavam ao redor".

"Resolvemos chamar o comandante. Foi engraçado, pois, antes de sair da cabine, o comandante penteou o cabelo e caminhou elegantemente até o homem, para lhe dar uma dura". Segundo Karen, o piloto parou na frente do passageiro e lhe entregou um produto de limpeza: "o senhor vai ter que arrumar essa sujeira que causou no meu avião", disparou o comandante. "Você não manda em mim", replicou o homem. E a tréplica acabou com a discussão: "mando, sim", disse o piloto. "O comandante é a máxima autoridade na aeronave e, se você não limpar, terá que se resolver com a Polícia Federal quando pousarmos". O homem pegou o limpador, se agachou e arrumou a bagunça que tinha causado.

7 - O dia em que o comandante se escondeu na cabine

Em uma ponte aérea entre São Paulo e Rio, o chefe de cabine Guilherme enfrentou um violento motim de passageiros. "Foi um voo em que tudo deu errado”, lembra ele. "Primeiro, tivemos um atraso por questões técnicas e, depois, o avião não pôde decolar porque estava faltando uma das refeições da tripulação. Para piorar, o comandante estava saindo da empresa e não estava mais se importando com nada. Após ficarmos mais de uma hora parados na pista, os passageiros começaram a se revoltar e ficaram ainda mais bravos após saberem que aquele atraso estava ocorrendo porque faltava uma das refeições dos comissários".

Pânico no avião, piloto, comandante, capitão, medo de voar - Getty Images - Getty Images
E o que acontece quando o piloto se esconde na cabine?
Imagem: Getty Images

"Muitos dos viajantes começaram a nos xingar de filhos da p*** e eu ficava pedindo para que o comandante, que é a autoridade máxima dentro do avião, saísse da cabine e tentasse acalmar a situação. Afinal, por lei, o avião não pode decolar se estiver faltando refeições para os tripulantes. Mas ele ficou trancado lá dentro, como se estivesse se escondendo daquela confusão. Ele não saiu de lá nem quando pousamos no Rio. No final do voo, porém, muitos passageiros vieram até e mim e me elogiaram por haver segurado a onda da situação e me disseram: 'fala para o comandante que ele é muito covarde por ter se escondido na cabine'".

8 - Trauma com tragédia

Uma das principais missões dos comissários de bordo é identificar, antes do voo, passageiros que possam estar com problemas físicos ou emocionais e tentar evitar que eles tenham algum tipo de crise na viagem. Trabalhando como chefe de cabine para uma companhia aérea brasileira, Thiago Gazzara (nome verdadeiro) já teve lidar com pessoas nestas situações: "em um voo, notei uma passageira que estava inquieta em demasia. Resolvi puxar conversa com ela e saber o que estava acontecendo", conta ele. "Descobri que ela havia estado naquele voo da TAM que, em 1997, foi cenário de uma explosão [que, suspeita-se, foi causada por um passageiro] que abriu um rombo na fuselagem do avião e fez um viajante ser arremessado para fora da aeronave. Ela viu toda a cena e ficou com pânico de fazer outras viagens aéreas".

Segundo Thiago, comissários devem agir como psicólogos nessas horas: "eu fiz de tudo para acalmá-la, dizendo que os aviões estão entre os meios de transporte mais seguros do mundo e que, se não estivessem, eu jamais deixaria minha família em terra para trabalhar como comissário. Nestas horas, temos que ser os melhores amigos dos passageiros. Ela ficou mais calma e conseguiu completar a viagem sem percalços".

DICAS PARA QUEM TEM MEDO DE VOAR

Alguns dos casos citados acima envolveram passageiros que têm medo de voar. Se você teme ter um ataque de pânico durante uma viagem aérea, é necessário levar em consideração algumas informações.

"A segurança na aviação evoluiu muito nas últimas décadas, com regras rígidas para a fabricação das aeronaves e a necessidade de inúmeras certificações para colocar um avião no ar ", diz Marcelo Diulgheroglo, gerente de Segurança Técnica da LATAM Airlines. "As aeronaves dispõem de radares meteorológicos que estão entre os mais modernos no mundo, o que nos dá condições de realizar uma viagem tranquila, mesmo em condições adversas. Além disso, os aviões são preparados para suportar elevadíssimas cargas aerodinâmicas: via de regra, a turbulência não é um fator preocupante. Mas se houver uma preocupação com isso, o avião tem condições para desviar de zonas de turbulência severa".

Turbulência não derruba o avião, mas assusta. Veja histórias de passageiros - Getty Images - Getty Images
O avião está preparado para suportar condições meteorológicas adversas
Imagem: Getty Images

A preocupação com a segurança também é incessante em terra. A LATAM Airlines Brasil, por exemplo, conta com área conhecida como Diretoria de Segurança Operacional, onde mais de 170 profissionais trabalham exclusivamente para garantir que os procedimentos de segurança da companhia sejam cumpridos por todos os funcionários da empresa. E, de acordo com Diulgheroglo, a estrutura das aeronaves passa por uma verificação depois de cada pouso e antes de cada decolagem. Entre determinados períodos de tempo, os aviões chegam a ser completamente desmontados para que técnicos vejam se toda a sua estrutura está com capacidade para funcionar perfeitamente. 

Diretor de operações da Gol, Carlos Junqueira é didático ao falar sobre este assunto: "é importante lembrar que diversas partes vitais de um avião são duplicadas. Há, por exemplo, dois motores, mas o avião continua voando se um deles quebrar. Há também dois sistemas elétricos, mas a aeronave é capaz de voar com apenas um deles em operação. E lembre-se: há até dois pilotos a bordo, e a aeronave irá continuar no ar se um deles tiver algum problema".

Junqueira ainda ressalta que, para assumir o comando de uma aeronave, o piloto deve passar por milhares de horas de treinamento de voo. "Vamos até os últimos detalhes para garantir a segurança de uma viagem aérea. Se estiver faltando um simples extintor a bordo, o avião não decola. Não à toa, aeronaves são o segundo meio de transporte mais seguro do mundo. Só perdem para o elevador".

PSICÓLOGA MOSTRA COMO TER UM VOO TRANQUILO

Psicóloga do curso português Voar Sem Medo, que ajuda pessoas a superar o pânico de pegar um avião, Catarina Cunha afirma que há diversas maneiras para o passageiro fóbico adquirir mais tranquilidade antes e durante um voo. "A preparação de uma pessoa que tem fobia de viajar de avião deve começar nas semanas que antecedem o voo, uma vez que a ansiedade antecipatória pode surgir e prejudicar seu estado emocional", sugere ela. "Evite, por exemplo, deixar tarefas relacionadas à viagem, como arrumar as malas, para a última hora, pois isso gera um estresse desnecessário no passageiro". 

O que acontece com seu corpo quando você está dentro de um avião? - Reprodução - Reprodução
Ler e conversar com outros passageiros pode acalmar quem tem medo de voar
Imagem: Reprodução

"No dia do voo, saia de casa com tempo para chegar ao aeroporto com calma. Depois de fazer o check-in, tente se distrair com coisas agradáveis, passeando pelas lojas do aeroporto. Compre alguma revista interessante e a leia na hora do embarque. Uma vez dentro do avião, sente-se, relaxe e observe o movimento das pessoas. Vá preparado para lidar com os atrasos. Pense 'não posso fazer nada, não depende de mim, quando chegar cheguei', e lembre-se que o avião é um dos meios de transporte mais seguros do mundo".  

Por outro lado, Catarina indica algumas atitudes que devem ser evitadas por quem tem medo de voar: "não fique vigiando todos os movimentos e expressões dos tripulantes de cabine para ver se há algo errado, nem tente interpretar todos os ruídos e movimentos do avião como se fossem sinais de falha técnica. Isso só deixa o viajante mais tenso. E não tenha vergonha de pedir auxílio aos tripulantes. Eles estão lá para ajudá-lo em caso de necessidade".

A psicóloga também desaconselha o uso de bebidas alcoólicas para se "anestesiar" durante a viagem. "Numa cabine pressurizada, em que a concentração de oxigênio é inferior ao normal, os efeitos fisiológicos da ingestão alcoólica se potencializam, causando um nível de intoxicação inesperado com apenas uma ou duas bebidas. Uma determinada quantidade de álcool ingerida a 12 mil metros de altitude produz um efeito duas a três vezes superior ao que é obtido ao nível do mar. Ou seja, beber um uísque a bordo é o mesmo que beber de dois a três uísques em terra".

E vale lembrar: além de não necessariamente "curar" o medo de voar, o álcool pode deixar a pessoa agressiva (como mostrado em alguns casos desta reportagem) e colocá-la em problemas com a lei. Passageiros que causam distúrbios em um voo (e põem em risco a segurança física das outras pessoas a bordo) podem ser processados depois que o avião aterrissar.