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Sem drama: Amyr Klink e outros viajantes contam vantagens da aventura solo

O velejador Amyr Klink em uma de suas expedições solo - AKPE/Divulgação
O velejador Amyr Klink em uma de suas expedições solo Imagem: AKPE/Divulgação

Vivian Ortiz

Do UOL, em São Paulo

22/02/2016 07h00

Já imaginou viajar sozinho de bicicleta pela Europa com apenas 16 anos? E que tal passar uma semana conhecendo a Síria e o Líbano também sem companhia? O aventureiro em questão foi o navegador Amyr Klink, que já curtia fazer viagens solo bem antes de começar a explorar os oceanos. Ele fez a primeira travessia solitária a remo do Atlântico Sul, em 1984. Por 100 dias, o navegador, que na época tinha 29 anos, remou da costa da Namíbia, na África, até a praia da Espera, na Bahia. O relato dessa experiência deu origem ao livro “Cem Dias Entre Céu e Mar”.

Para ele, existem dois tipos de viagem: a de barco, que acaba tendo tantas coisas para resolver e "nem dá tempo de sentir solidão", e aquela que todo mundo faz, de carro, ônibus ou moto, que Amyr adora. "Acho que quando você viaja sozinho, se dedica a conhecer as pessoas e o lugar. É diferente de ir com namorada, amigo, pois você carrega o seu 'nucleozinho', o que ajuda, mas também pode atrapalhar", destaca.

Quando tinha 16 anos, no início da década de 1970, Amyr foi parar na Itália após ser convidado por um colega de escola para passar uns três ou quatro meses na casa da família dele. "Lá, me desentendi com o pessoal, não deu certo. Aí, arrumei uma bicicleta e com ela rodei pela Europa", conta o navegador. No final, ele acabou indo parar na Escandinávia, atrás de um tio que era jornalista. "Encontrei e ele falou: no inverno os suecos ficam doentes pela falta de sol. Então, me sugeriu uma viagem baratíssima, algo em torno de US$ 120 (R$ 480)para passar uma semana, com tudo pago, em Beirute, no Líbano. Eram uns aviões bem fuleiros, mas passei vários meses lá", conta.

Amyr fez a primeira travessia solitária a remo do Atlântico Sul, em 1984 - Divulgação - Divulgação
Amyr fez a primeira travessia solitária a remo do Atlântico Sul, em 1984
Imagem: Divulgação

A experiência o marcou para sempre, mas a ideia de sair sozinho pelo mundo em um barco surgiu de outra forma. “Gostava de literatura francesa, e eles adoram relatos de viagem no mar. Até o dia que, morando em Paraty (RJ), comecei a encontrar muitos franceses, e descobri que era uma modalidade pegar o seu barco e sair pelo mundo fazendo bicos. Era uma viagem mais barata, autêntica, onde você escolhe o país, a cidade, a estação do ano", explica.

Saindo do mundinho
Para Amyr, a maior qualidade do viajante solo é o desprendimento. Não adianta querer comer arroz e feijão estando no interior da Austrália, por exemplo. “Se lá eles comem escorpião frito e formiga cozida, é isso que vou comer", diz o navegador e escritor. Segundo ele, a pessoa não deve transportar o próprio mundinho para os lugares onde passa.

"Os alemães, por exemplo, vão com o carro deles, com a bicicleta deles, com o fogareiro que só tem na Alemanha, e só ficam hospedados em campings com compatriotas. O resultado? Acabam passando por antipáticos e não conhecendo nada”, brinca Amyr, antes de complementar: "Eu procuro prestar atenção aos hábitos locais, o que acho a coisa mais legal de viajar solo".

Sozinho? Sim, e por conta própria

Mari Campos visitou a Índia sem a companhia de mais ninguém - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Mari Campos visitou a Índia sem a companhia de mais ninguém
Imagem: Arquivo pessoal

Deu vontade de fazer que nem Amyr Klink e sair pelo mundo sendo a sua própria companhia? A jornalista e escritora Mari Campos mostra como isso é possível. Tanto que criou um blog e escreveu um livro sobre o assunto, chamado justamente "Sozinha mundo afora - dicas para sair pelo mundo em sua própria companhia". Segundo ela, esse mito de que viajar sem companhia é perigoso – no sentido de não ter um suposto suporte caso seja assaltado, fique sem dinheiro, etc. – é pura balela.

“A única diferença é não ter com quem dividir as responsabilidades. E só isso”, diz. Se for assaltado, por exemplo, a dor de cabeça (ir à delegacia local, ligar pro cartão de crédito para cancelar, etc) e as soluções (fazer Boletim de Ocorrência, ter seus cartões repostos em 24h,) serão exatamente as mesmas. “Não existe diferença nenhuma nos graus de perigo entre viajar sozinho ou acompanhado”, avalia.

Se o seu pensamento agora foi: legal, e por onde começo? Exatamente do mesmo jeitinho que faria em uma viagem acompanhado. "O único senão quando a gente viaja sozinho são os nossos próprios limites. Se a pessoa não acha legal ir para a praia sem turma ou sem formar em casal, não dá para planejar uma viagem solo assim; ela vai se sentir deslocada, solitária”, explica, ressaltando que, quando viajamos sozinhos, temos que ter prazer na nossa própria companhia ao longo da jornada - então, escolher um tipo de destino ou de viagem que sejam a nossa cara é fundamental.

Poupar dinheiro - Reprodução/1800loanstore - Reprodução/1800loanstore
Ficarei pobre viajando solo?
Imagem: Reprodução/1800loanstore

Outro mito é a questão do custo mais alto. Segundo a jornalista, a passagem aérea vale o mesmo preço sozinho ou em dupla, assim como o prato no restaurante. “Só fica mais caro quando usamos carro e táxis, porque não temos com quem dividir esse custo - mas também não é nada que desequilibre as finanças”, ressalta.

Segundo ela, existem hotéis e companhias de cruzeiros que também não fazem distinção entre o preço do quarto ou da cabine, independentemente de serem um ou dois hóspedes. "Tudo depende mesmo do perfil do viajante (mochileiro, econômico, luxo etc) e não do fato dele viajar sozinho ou não", avalia.

Mari Campos recomenda começar por destinos que sejam mais amigáveis e onde, por exemplo, você não se sinta intimidado pelo idioma. “Cidades grandes (como São Paulo, Rio, Nova York, etc) e universitárias (Salamanca, Oxford e Lyon, etc) costumam ser excelentes escolhas justamente por terem mais infraestrutura e maior oferta cultural. Assim, a pessoa consegue explorá-la mais facilmente, e de maneira confiante, o que é importantíssimo para uma viagem solo bem-sucedida”, diz.

Ele foi...

Jonas conhecendo o Coliseu de Roma (Itália), em 2013, e em Córdoba (Espanha) em 2015 - Montagem/Arquivo pessoal - Montagem/Arquivo pessoal
Jonas conhecendo o Coliseu de Roma (Itália), em 2013, e em Córdoba (Espanha) em 2015
Imagem: Montagem/Arquivo pessoal

Jonas Saito, de 32 anos, já conheceu vários lugares na Europa curtindo a própria companhia. Na primeira vez em que saiu pelo mundo, no ano de 2013, a ideia do profissional de TI era fazer um curso de inglês em Malta, na Europa, com a então esposa. No entanto, a relação de 12 anos terminou dois meses antes da viagem e ele decidiu ir sozinho. “Apesar de pensar que eu poderia ter aproveitado mais se tivesse me planejado melhor, foi excelente", conta. 

Dois anos depois, esgotado pela rotina profissional e por estar esse tempo todo sem férias, Jonas sentiu a necessidade de viajar novamente. “Queria ir com a Camila (a atual namorada), mas não rolou e ela se ofereceu para cuidar da minha cachorra”, conta. Foi o que bastou para partir, novamente solo, para Espanha e Portugal. “Conversava todos os dias com a Camila pela internet, mas também me senti em casa quando cheguei em Lisboa, pois todos falavam em português e parecia ter um ar de Brasil”. O rapaz ressalta ainda ter adorado ambas as experiências.

Sozinho? Sim, mas nem tanto

turistas; grupo; itália; piza - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Se você quer viajar, tem o dinheiro e o tempo disponível, mas não sente confortável em encarar a empreitada sozinho, uma opção é procurar uma agência de viagem especializada no assunto. Proprietária da Single Trips, em São Paulo, Renata Guedes conta que a maioria das pessoas que buscam o seu negócio geralmente acabaram de terminar um longo relacionamento amoroso e ficaram sem um círculo de amizade, seja para viajar ou até mesmo para passear. Mas também tem aqueles que não querem depender de um amigo, ou mesmo namorado, para viajar. “Às vezes, as férias não batem, ou uma das partes não tem condições financeiras para ir com a outra, daí somos uma opção”, diz.

Ao comprar uma viagem assim sua única preocupação será a de fazer as malas. O pacote inclui desde o transporte até a hospedagem, passando muitas vezes pelos passeios. Todos os roteiros também contam com um “líder da excursão”, cujo papel é coordenar tudo e integrar o grupo, composto por no máximo 20 integrantes. “No geral, cada viagem tem um tema – como ir ver o Desfile das Escolas Campeãs do Carnaval no Rio de Janeiro, mas costumamos deixar um dia da programação livre em certos roteiros para a pessoa ter a chance de ir conhecer o que lhe interessa”, conta Renata.

Eduardo Martins, proprietário da Keep Company – que atua no mesmo segmento de mercado – explica que os passageiros normalmente com perfis semelhantes são acomodados em quartos duplos ou triplos. “Esse sistema faz com que o participante se integre ao grupo de maneira mais imediata, além do que, na maioria das viagens, a empresa também disponibiliza um professor de dança, que promove uma aula coletiva com o objetivo de 'quebrar o gelo' e aumentar essa integração”.

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Nada de mozão!
Imagem: Getty Images

Essas viagens podem ser a chance de você desencalhar e conhecer o amor da sua vida? Calma lá, que não é bem assim. O foco das agências não costuma ser os relacionamentos amorosos. “Dá para perceber se o interesse do cliente é esse pelo tipo de pergunta: a quantidade de homens e mulheres é proporcional? Quantos homens vão? Qual é a idade? Logo já digo que isso pode acontecer, mas o foco ali é a amizade. Se surgir um relacionamento, ótimo”, explica Renata.

Martins também defende a ideia, mas diz que a agência costuma escolher também destinos diferenciados, com vida noturna. “Isso favorece as saídas à noite para bares, casas noturnas e locais que normalmente despertam o interesse dos solteiros”, ressalta.

Ela foi...

Paula no passeio em Holambra e com o grupo em São Luis de Paraitinga (no centro) - Montagem/Arquivo pessoal - Montagem/Arquivo pessoal
Paula no passeio em Holambra e com o grupo em São Luis de Paraitinga (no centro)
Imagem: Montagem/Arquivo pessoal

A secretária Paula Souza, 33, tinha terminado um noivado de cinco anos e sentiu o baque ao "voltar para a pista”. Chateada com a falta de companhia, ela decidiu procurar por agências que faziam viagens focadas em solteiros na internet. Encontrou, mas ficou receosa em viajar com pessoas desconhecidas, em uma empresa que nunca havia ouvido falar.

Depois de pensar muito, decidiu fazer o passeio de um dia para Holambra (SP), com o intuito de visitar a Expoflora. Adorou a experiência, que aconteceu em setembro de 2015. “Tinha mais três pessoas na mesma condição que eu, ali pela primeira vez, aí já formamos um grupinho no início da viagem”, diz. Depois, emendou mais alguns passeios do tipo até arriscar uma viagem mais longa, para São Luis de Paraitinga (SP), em janeiro deste ano. “A experiência é ótima, e você só precisa se preocupar em fazer a mala, pois eles têm o roteiro todo pronto. O grupo tinha 14 pessoas de várias idades, que interagiram o tempo inteiro. Foi muito gostoso”. Paula já faz planos para novas viagens do tipo.