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Em museu no Líbano, Hezbollah celebra homens-bomba e zomba de Israel

Marcel Vincenti

Do UOL, em Mlita (Líbano)

29/06/2015 18h59

“Bem-vindos a Mlita. Desta terra, foram lançadas operações importantíssimas contra a invasão israelense”.

Quem cumprimenta o público, desde um telão de cinema, é nada menos que Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, entidade política armada acusada de diversos atos terroristas, mas que, para muita gente no Oriente Médio, é um heroico movimento de defesa do território libanês. 

Nasrallah é uma das primeiras imagens que as pessoas veem ao entrar no Marco Turístico da Resistência, aberto em uma área do Líbano conhecida como Mlita – e de onde, entre a década de 1980 e o ano 2000, o Hezbollah lançou uma sangrenta campanha para expulsar as forças armadas de Israel do sul do país árabe (veja detalhes sobre a presença de Israel no Líbano ao final da matéria). 

Líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah dá as boas-vindas aos visitantes em Mlita - Marcel Vincenti/UOL - Marcel Vincenti/UOL
Líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah dá as boas-vindas aos visitantes em Mlita
Imagem: Marcel Vincenti/UOL
Além de um cinema, o local abriga hoje um museu meio indoor, meio a céu aberto que conta a versão do Hezbollah para seus combates contra Israel. E a exibição inclui elogios a homens-bomba, fotos de soldados israelenses chorando a morte de seus companheiros e a exposição de centenas de equipamentos militares israelenses (incluindo os poderosos tanques de guerra Merkava) destruídos nas batalhas – tudo monitorado por membros da organização em uniforme militar (mas aparentemente desarmados).

"Ele se explodiu"

Em árabe, Hezbollah que dizer “Partido de Deus”, e uma interpretação belicosa do islã está impregnada em cada canto do Marco da Resistência.

No local, situado em uma área montanhosa do sul do Líbano, os visitantes entram em uma rede de túneis que os combatentes do Hezbollah construíram para se proteger dos bombardeios israelenses. Lá dentro e no entorno, fotos de soldados libaneses que morreram nos conflitos dividem espaço com avisos dizendo: “nossa vitória é divina. Apenas os mártires podem contar a nossa história nos céus”.

O símbolo com a AK-47: faixas do Hezbollah dominam as vilas que cercam Mlita - Marcel Vincenti/UOL - Marcel Vincenti/UOL
O símbolo com a AK-47: faixas do Hezbollah dominam as vilas que cercam Mlita
Imagem: Marcel Vincenti/UOL

Um dos “mártires” exemplares para a ideologia do Hezbollah é Ahmad Qassir, que, no começo dos anos 1980, lutava contra a ocupação israelense no sul do Líbano e que, em Mlita, tem uma placa em sua homenagem que diz o seguinte: “o inimigo israelense impôs ao Líbano uma escolha: derrota e submissão. Em novembro de 1982, um combatente chamado Ahmad Qassir se explodiu na base militar israelense da cidade libanesa de Tiro, anunciando o nascimento de uma escolha diferente: resistência”. Dezenas de israelenses morreram no ataque.

Também se espalham pela área as armas usadas pelo Hezbollah em suas campanhas: são lançadores de granada, rifles AK-47 e baterias antiaéreas que surgem camuflados dentro da mata ou como objetos de paisagismo, colocados no meio de jardins recheados de coloridas flores. Crianças de uma escola local cruzam a área e tentam tocar os canos dos armamentos.

O contraponto é um enorme buraco chamado de “O Abismo”, que reúne espólios de guerra: mísseis israelenses que não explodiram, os destroços de um helicóptero CH-53 Sea Stallion e centenas de capacetes representando soldados israelenses mortos são exibidos como troféus pelo Hezbollah. Na frente de um tanque Merkava destruído, uma placa ironiza: “Merkava: o orgulho da indústria militar do inimigo!”.     

Os mortos te olham

Israel invadiu o Líbano em 1982 com o objetivo de destruir a presença da Organização para Libertação da Palestina (OLP) no país. Naquele momento, a OLP constituía um verdadeiro poder armado paralelo em território libanês e era vista como uma ameaça pelo governo israelense.

A invasão de 1982 conseguiu expulsar milhares de combatentes palestinos de solo libanês, mas gerou outro inimigo: grupos libaneses (principalmente xiitas) que se levantaram contra a prolongada presença israelense em seu país, que se estenderia até 2000 sob a justificativa de que Israel precisava ter uma "zona de segurança" entre sua fronteira e o sul do Líbano. Apoiado pelo Irã, o Hezbollah se transformaria na mais poderosa dessas entidades insurgentes, chamando os israelenses constantemente para a briga a partir de lugares como Mlita.    

No sul do Líbano, Hezbollah conta história de guerra contra Israel - Marcel Vincenti/UOL - Marcel Vincenti/UOL
Lança-granadas é exposto ao lado de jardim florido no museu do Hezbollah
Imagem: Marcel Vincenti/UOL

Para Mohammed Hussein, um dos administradores do museu do Hezbollah, a presença de Israel no Líbano era injustificável e deveria ser combatida. 

"Israel estava invadindo nosso país", afirma ele. "Os conflitos que ocorreram nessa área tinham o objetivo de restaurar a soberania do território libanês. E foi o que conseguimos. Israel deixou quase que totalmente o Líbano em 2000”.

Hussein fala no passado, mas uma atmosfera de guerra segue presente nos vilarejos que cercam Mlita. Em diversas ruazinhas da região, habitada principalmente por uma população muçulmana xiita (a mesma vertente do islã seguida pelo Hezbollah), aparecem outdoors com os rostos de “mártires” de diversas épocas: há desde imagens do líder religioso xiita Musa as-Sadr (que desapareceu na Líbia em 1978 e é reverenciado pelo Hezbollah) até fotos de combatentes que morreram no último grande conflito armado entre Israel e o “Partido de Deus”, em 2006, sempre lançando um olhar frio para os pedestres. 

No sul do Líbano, Hezbollah conta história de guerra contra Israel - Marcel Vincenti/UOL - Marcel Vincenti/UOL
Foto de membro do Hezbollah morto divide parede com gaiola no sul do Líbano
Imagem: Marcel Vincenti/UOL

“São mártires demais”, diz, mostrando involuntariamente uma expressão de desgosto, um taxista chamado Haider, que trabalha na região. Xiita, ele desconversa na hora de dar sua opinião sobre o Hezbollah. “Só posso dizer que conheço muitos mártires”. Com 47 anos, ele parece mais cansado do que empolgado com o triunfalismo do "Partido de Deus". 

Um dos outdoors que cruzam a janela do carro de Haider mostra a foto de Abu Issa, um comandante do Hezbollah morto na Síria em janeiro deste ano. Apesar de abatido por um ataque israelense, tudo indica que Issa estava na Síria para lutar em outra guerra: a que opõe o regime de Bashar al-Assad a diversos grupos armados (o Estado Islâmico entre eles).

O Hezbollah combate atualmente ao lado de al-Assad, seu antigo aliado, e mostra que, no Oriente Médio, a guerra está longe de ser apenas uma peça de museu. 

Mais informações sobre o Marco da Resistência: mleeta.com/mleeta/eng/