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Turismo comunitário é oportunidade de convivência e intercâmbio cultural

Passeio pelo rio Arapiuns (PA) é uma das atrações do roteiro de ONG que atua no estado - Andrea Colares
Passeio pelo rio Arapiuns (PA) é uma das atrações do roteiro de ONG que atua no estado Imagem: Andrea Colares

Rita Trevisan e Suzel Tunes

Do UOL, em São Paulo

09/09/2014 07h00

Hospedar-se na casa de um sertanejo da Chapada do Araripe, tomar um banho de rio com ribeirinhos da Amazônia, comer uma feijoada com quilombolas de Paraty ou aprender cerâmica com artesãs do Vale do Jequitinhonha são experiências possíveis para quem busca mais do que luxo e consumo em sua viagem de férias. Mas não confunda simplicidade com falta de conforto. No chamado 'turismo comunitário', o turista é recebido como visita especial: um amigo que vem de longe e é convidado a compartilhar dos sabores, dos saberes e das belezas locais.

Nesse modelo de viagem, o turista tanto pode usufruir da convivência com as pessoas e os recursos naturais dos locais que visita, quanto pode exercer alguma atividade de voluntariado que melhore a qualidade de vida da população.

Foi o que fez um grupo de estudantes da Universidade da Flórida (EUA), numa viagem ao Vale do Jequitinhonha (MG), em julho desse ano, por intermédio da empresa Raízes Desenvolvimento Sustentável. "Eles realizaram diferentes tipos de atividades, como a pintura dos muros das comunidades da região, com tinta extraída da terra", conta Jurandir Oliveira, professor do curso de Turismo da Universidade Anhembi Morumbi.

Na favela e sem estereótipos
Sheila Souza, idealizadora da empresa Brazilidade, é especialista em roteiros turísticos no Morro Santa Marta, no Rio de Janeiro. Moradora do local desde criança, Sheila formou-se em Turismo, fez uma MBA em Turismo e Negócios e hoje se dedica a acompanhar grupos de visitantes nacionais e estrangeiros, oferecendo, além do passeio, palestras sobre questões geográficas, históricas e sociológicas da vida na favela, para eliminar estereótipos e preservar a memória local.

"Também tento articular outros empreendedores locais para oferecerem produtos e serviços. A ideia é crescer junto com a comunidade. Sei que a atividade turística pode ser muito agressiva, muito invasiva. Diversas empresas de turismo entram na favela, mas os benefícios não ficam aqui. Entrei no negócio para oferecer algo diferenciado, fazer transformação de base", declara.

Sheila diz que participa de todas as discussões que visam melhorias estruturais, envolvendo-se nas mobilizações populares por uma melhor destinação do lixo ou pela passagem de fiação elétrica nas ruas.

Perfil do turista também é diferente
Se no turismo comunitário é importante que a relação da empresa com a população local seja mais de parceria do que de exploração, também se espera do turista um relacionamento mais de convivência do que de consumo. “O casamento entre o turista responsável e esse tipo de iniciativa é fundamental. O visitante não consome um produto turístico, ele entra em diálogo direto com uma realidade diferente da dele”, diz o professor Bursztyn.

Nessa convivência, como em qualquer outra, o respeito é item obrigatório. O turista precisa estar atento às regras e aos costumes locais, que podem variar a cada localidade. Vale, no entanto, prestar atenção a algumas orientações gerais, especialmente para quem vai ficar hospedado em residência de morador:

• Observe os horários da casa. Algumas fecham as portas às 22h. No interior do país, é comum que as pessoas se levantem ao nascer do sol e durmam cedo.
• Não ligue aparelhos eletrônicos em volume muito alto.
• Não fume no interior das residências.
• Evite transitar em trajes íntimos ou roupas de banho dentro da casa.
• Se for fazer foto de alguém, não custa pedir licença. E não prometa que enviará a foto mais tarde se não tiver certeza de que poderá cumprir a promessa.

ANAVILHANAS (AM) - Thais Antunes - Thais Antunes
Anavilhanas, um dos maiores arquipélagos fluviais do mundo, tem roteiros comunitários
Imagem: Thais Antunes

Como surgiu
Segundo o professor Ivan Bursztyn, especialista em sustentabilidade e um dos organizadores do livro "Turismo de Base Comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras", essa modalidade de viagem surgiu no país na década de 1990, como resistência a grandes empreendimentos que praticavam turismo predatório, sem cuidar da preservação do ambiente e das comunidades locais.

"Ele surge como um modo alternativo de organização do turismo na esfera local. Enquanto no modelo convencional o turismo é organizado com enfoque na geração de lucro, no comunitário existem outros valores que não apenas o econômico, como a valorização da identidade cultural da comunidade", afirma Bursztyn. 

As iniciativas de turismo comunitário têm, portanto, um caráter mais coletivo do que individual. Muitas delas são vinculadas a associações de moradores, fundações ou organizações não governamentais. E, até por isso, algumas carecem de profissionalização. "Uma dificuldade das organizações receptoras é o desenvolvimento e a manutenção de uma central de reservas", exemplifica Jurandir Oliveira.

Mas isso não significa que não possa haver iniciativas profissionais de empreendedorismo individual alinhadas com valores comunitários. O que muda é a relação do empresário com o meio no qual ele trabalha. "O empresário precisa estar em diálogo com a associação de moradores ou com o representante da comunidade, buscando promover o desenvolvimento local em conjunto com os moradores", diz o professor.