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Prove os sabores da moda culinária conhecida como "locavorismo"

Kim Severson, Michael Tortorello, John Eligon e Emily Brennan

New York Times Syndicate

25/08/2013 08h32

O "locavorismo", febre culinária do momento, parece estar por toda parte nos Estados Unidos, mas a verdade é que a dedicação de um restaurante à gastronomia regional vai muito além da relação cordial com produtores e fornecedores locais. Aqui vão algumas casas ao redor dos EUA que levam o movimento muito além do respeito à geografia dos ingredientes.

Belton, Carolina do Sul - Grits & Groceries
Se por acaso você se encontrar na região norte da Carolina do Sul conhecida como Piedmont, com certeza vai querer passar pelo Peachoid, em Gaffney, que recentemente virou estrela do drama político do Netflix, "House of Cards" -- a torre de água em forma de pêssego que desperta a criança que há dentro de nós, pois não há quem não jure que é um bumbum gigante cor de laranja. E, se você gosta de comer, é provável que continue rumo oeste, para Greenville, onde estão os novos restaurantes que se revezam nas páginas da revista Edible Piedmont; pois eu lhe digo que vale a pena seguir mais 40 minutos adiante, para o sul, e chegar ao Grits & Groceries, o destino final da cozinha regional da área.

Encontrá-lo é meio difícil: é preciso atravessar uma região estritamente rural, onde vacas e cavalos lotam os pastos e as fazendas oferecem maços de couve a US$ 3; quando você chegar ao ponto de ver anúncios de verduras sendo distribuídas de graça, vai chegar ao cruzamento da Due West Highway com a Trail Road.

Ali, dentro de um armazém centenário com mesas cobertas por linóleo colorido, Heidi e Joe Trull preparam o tipo de refeição sulista com que todo mundo sonha. É o lugar perfeito para um café da manhã tardio ou almoço longo -- mas as portas também estão abertas às quintas para o jantar, quando o prato do dia pode ser frango frito com vagem e salada de batata ou uma salada preparada com os melhores tomates verdes fritos de que se tem notícia.

No almoço, não deixe de pedir um pedaço da torta de tomate Hattie Mae, às vezes acompanhada pelo pralinê de bacon -- fatias grossas prensadas com pecãs e caramelizadas que resultam no equilíbrio perfeito entre o macio e o crocante, o doce e o salgado. Heidi também prepara uma salada sofisticada de confit de pato. Sanduíches "po'boy" de camarão e gumbo são opções constantes, refletindo o tempo que o casal passou em Nova Orleans -- ela, como chef no Elizabeth's; ele, fazendo sobremesas no Nola, restaurante de Emeril Lagasse no Bairro Francês. Eles se mudaram depois do furacão Katrina para criar o filho na terra natal e abrir o restaurante.

Fique de olho na vitrine de sobremesas, que todo dia é reposta por Joe: quase sempre são pasteizinhos recheados de maçã e, se tiver sorte, morangos frescos, que chegam à mesa acompanhados por uma bola de sorvete de creme caseiro.

Grits & Groceries, 2440 Due West Highway, Belton, Carolina do Sul; 864-296-3316; gritsandgroceries.com. Almoço para dois por cerca de US$ 30.

Grand Marais, Minnesota – Dockside Fish Market
Da praia dá para ver o barquinho se equilibrando sobre as ondas do Lago Superior. Os moradores desse porto minúsculo -- última cidadezinha entre Duluth e a fronteira canadense -- sabem então que Harley Toftey está voltando para casa trazendo a cota diária de trutas e arenques.

Por volta das dez da manhã, Toftey, de 57 anos, leva o caixote de plástico cheio num carrinho de mão para o Dockside Fish Market -- e horas depois, o resultado da pesca do dia será servido com batatas fritas por ele e a mulher, Shele. O casal colocou sete mesas no deque posterior e outras sete dentro do restaurante para quando o tempo não ajuda (o que quase sempre acontece). Ela também sabe tudo de pesca -- afinal, eles se conheceram no Alasca, quando ela pescava salmão "num barco só de moças em Bristol Bay".

  • A verdadeira iguaria do Dockside Fish Market, em Minnesota, é o Superior Gold Caviar

Esses rituais marítimos já foram comuns em Grand Marais. Até meados da década de 20 e até a conclusão da rodovia costeira, os barcos levavam passageiros e peixe fresco ao redor desse vasto mar interno. Hoje em dia, a frota de North Shore conta com dez embarcações. "É um meio de vida que está morrendo", ela diz. "É um estilo de vida maravilhoso, mas difícil. Você é quem vende o peixe, você é quem processa, você é quem defuma."

Essa última rotina acontece a cada dois dias na pequena cabine de madeira do estacionamento, onde os peixes são defumados até ficarem dourados -- ou seja, doze horas mergulhados num banho de salmoura e açúcar mascavo. O sabor da truta se concentra na parte mais gordurosa, perto do rabo; já o arenque tem menos carne e separá-la dos espinhos dá trabalho.

Os filés fritos, porém, são irresistíveis. Servidos na forma de faixas meio enroladinhas, bem tostadas, são cobertos por uma mistura de panko, fubá e farinha de rosca. O gosto da pescada é semelhante, mas ela vem do litoral de Bayfield, no Wisconsin.

A verdadeira iguaria local, entretanto, fica escondida no congelador: potes e mais potes de ovas de arenque, o chamado Superior Gold Caviar – bolinhas cor de laranja que explodem num sabor delicado. Durante a temporada do peixe, no outono, a casa produz cerca de trinta toneladas dessa gostosura. Você pode até dizer que o Dockside produz o melhor caviar do lago, ao que Shele vai responder: "Que eu saiba, somos os únicos".

Dockside Fish Market, 418 West Highway 61, Grand Marais, Minnesota; 218-387-2906; docksidefishmarket.com. Preço médio da refeição para dois, sem cerveja nem gorjeta: US$ 25.

Kansas City, Missouri – Rieger Hotel Grill & Exchange
No Rieger Hotel Grill & Exchange o tempo é um detalhe que engana. Na fachada de tijolinhos e terracota, há um mural gigante de 1877 do J. Rieger & Company Monogram Whiskey; dentro do prédio centenário, o piso original, já gasto, divide espaço com um balcão de madeira maciça. No banheiro masculino, uma plaquinha revela que Al Capone já fez xixi exatamente naquele lugar.

E quando você começa a se acostumar com a Kansas City do início do século 20, dominada pela máfia, é forçado a voltar ao momento presente para escolher entre os bolinhos recheados de alcachofra com cérebro de vitelo refogado ou o ensopado de carne de cabrito ao vinho.

  • John Van Beeku­m/The New York Times

    O casal Joe and Heidi Trull na frente de seu restaurante Grits and Groce­ries, em Belto­n

O chef, Howard Hanna, de 37 anos, abriu o Rieger há dois anos e meio com o objetivo de reproduzir as delícias do Meio-Oeste e, ao mesmo tempo, inovar em cima do tradicional -- e o salão sempre lotado prova que seu conceito deu muito certo. A chance de Hanna veio em 2010, quando Ryan Maybee, que tem um bar no sótão, sugeriu a ideia depois que a casa que havia no Rieger tinha fechado. Hanna viu ali a oportunidade perfeita de exercer sua criatividade sobre os clássicos regionais.

O chef, natural de Manhattan, no Kansas, resume sua filosofia: "Eu queria unir os produtos e a cultura da região de uma forma mais refinada -- em pratos sem gordura excessiva, sem frango congelado e sem carne de porco sem gosto." E o resultado são opções como o frango Campo Lindo, feito no ballotine -- desossado, recheado e enrolado, que acaba recebendo também uma defumação a frio e é acompanhado de molho barbecue e repolho refogado para atrair o paladar do Meio-Oeste.

"Você pode usar produtos de alta qualidade e ainda assim respeitar os métodos e sabores tradicionais, preparando-os de forma a ressaltar seu sabor", Hanna ensina.

Rieger Hotel Grill & Exchange, 1924 Main St., Kansas City, Missouri; 816-471-2177; theriegerkc.com. Preço médio da refeição para dois, sem bebidas nem gorjeta: US$ 70.

Miami Beach – Florida Cookery
Entre os hotéis imponentes ao longo da Avenida Collins, em Miami Beach, é difícil encontrar um restaurante que não seja nem importado de Nova York nem filial de um chef estrangeiro -- e até pouco tempo, quem quisesse provar a verdadeira culinária da Flórida ficaria a ver navios.

  • John Van Beeku­m/The New York Times

    O Rieger Hotel Grill & Exchange, em Kansas City, tem como destaque os bolinhos recheados de alcachofra com cérebro de vitelo refogado e o ensopado de carne de cabrito ao vinho

É aí que entra o Florida Cookery, inaugurado em novembro passado no Hotel James Royal Palm. Kris Wessel, o chef, desenvolveu pratos inspirados nas diversas influências da gastronomia local -- Caribe, América do Sul, sul dos EUA -- e utiliza produtos regionais como a laranja sanguínea e a carne de javali.

Só não tente dizer que o estilo é "fusion"; o cardápio eclético é todinho baseado nos pratos do estado, informa Wessel, que nasceu ali. Folheando o livro de receitas comunitário de sua avó -- que acabou dando nome ao restaurante -- ele descobriu iguarias cubanas e brasileiras ao lado de outras, da Geórgia e Louisiana. "Na época, eles não sabiam bem o que fazer com a manga, o sapoti, a fruta-ovo. Foi em cima dessas delícias que resolvi trabalhar", afirma Wessel.

Isso não significa que ele só se limita à tradição: seu camarão grelhado servido sobre canjiquinha, clássico da cozinha creole que aprendeu trabalhando no Mr. B's Bistro e no Antoine's, em Nova Orleans, tem um leve amargor que eu não consegui definir. "Pasta de tamarindo", ele explicou depois, um condimento muito usado no Caribe.

A doçura avinagrada da rabada, servida com "callaloo" em água de coco, prato haitiano popular, me pareceu um pouco excessiva, mas todos os pratos como elementos cítricos, seja como complemento (como o grapefruit no molho de manteiga escura que acompanhava a garoupa empanada) ou ingrediente principal (torta merengue de limão) se mostraram perfeitos. "Se é para montar um cardápio com pratos da Flórida, o cítrico não pode ficar de fora", resumiu Wessel, modesto.

Pratos simples e caseiros como a conch chowder (sopa de moluscos) poderiam até não combinar com o interior branco e moderno da casa e o pátio todo em madeira -- se não fosse pela simpatia dos garçons e a trilha sonora de sucessos dos anos 80.

Perguntei a Wessel se ele pretendia continuar a tradição de seu restaurante anterior, o Red Light Little River, de oferecer a torta de manga da Tia Rita todas as sextas, durante o verão. Ao que ele me respondeu simplesmente: "E por que não?" (Emily Brennan)

Florida Cookery, 1545 Collins Ave., Miami Beach; 786-276-0333; florida-cookery.com. Preço médio do jantar para dois, sem bebidas nem gorjeta: US$ 100.