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Um roteiro para experimentar a melhor dose de Pisco do Peru

Andy Isaacson

New York Times Syndicate

22/07/2012 08h03

O pisco, a bebida nacional do Peru, engana muito: parece ser tão leve e pura… e quando dá por si, você já está embaixo da mesa. Os peruanos gostam de dizer que o pisco de boa qualidade nunca dá ressaca, mas numa noitada recente em Lima, descobri que não é bem assim. Ele é um destilado que mantém as qualidades varietais da uva com que é feito – e como champanhe ou tequila, pisco é uma denominação oficial; para ser legítimo, deve obedecer a métodos de produção tradicionais rígidos. Nada – nem água – pode entrar na composição.


O pisco é produzido nos vales áridos da costa sul do Peru desde pelos menos o início do século 17 e ficou inexoravelmente ligado à identidade do país, tanto que a bebida deve ser servida nos eventos diplomáticos ao redor do mundo. O drinque nacional, o pisco sour, é uma curiosa combinação de pisco, limão peruano, clara de ovos e um bitter feito a partir da casca de uma árvore local (que ganhou até um dia especial de comemoração).

Conforme a história do Peru foi evoluindo, o mesmo aconteceu com o pisco, que atingiu o auge durante a expansão mineradora do fim do século 19, quando uma onda de imigrantes italianos introduziu no país técnicas refinadas de produção de vinho. Nos bares de Lima, o pisco rolava solto na época – embora o Chile é que tenha estabelecido a bebida como denominação de origem em 1931, reivindicando-a para si (o pisco chileno é um produto bem diferente, que leva outros ingredientes e passa por um processo que resulta em outro sabor). Seguiu-se então uma época sombria: em meio a reformas agrárias socialistas e conflitos políticos violentos que afligiram o Peru durante quase um século, a qualidade e a reputação da bebida decaíram. Os limenhos o trocaram pelo uísque e pela vodca – qualquer coisa que não fosse pisco, considerado remanescente dos saudosistas e bêbados.

Só que, nos últimos anos, a situação do Peru mudou; há pisqueros dedicados produzindo um pisco excelente e a mixologia, que ressurgiu em tantas cidades, chegou também aos bares de Lima. Selecionei quatro bares da capital que, à sua maneira, refletem o redescobrimento da bebida nacional.

Cala
Na sexta-feira em que estive lá, essa casa elegante, de frente para o mar, me lembrou um pouco Malibu, talvez por causa do pátio suspenso sobre a areia e dos clientes bronzeados bebericando coquetéis enquanto apreciavam os surfistas. As bebidas em questão são criações de Enrique Vidarte, considerado o mixologista de pisco mais criativo da cidade. Suas invenções, bem equilibradas, são veículos perfeitos para os diversos varietais: como o El Verdecito, um delicioso coquetel verde servido num copo de margarita, mistura pisco Italia, com um toque cítrico e doçura floral com folhas de hortelã, açúcar e suco de limão peruano (22 nuevos soles ou US$ 8 com o dólar a 2,73 nuevos soles).

A maioria dos 42 coquetéis no cardápio de Vidarte é de sua própria criação, mas há alguns clássicos, como o Capitan, que mistura pisco, vermute tinto (as faixas brancas e vermelhas da bebida lembram a insígnia de capitão da Marinha peruana) e amaretto. O drinque é uma volta ao cenário animado dos anos 20 do Gran Hotel Bolivar de Lima, onde ficou famoso – talvez como resposta à falta do uísque norte-americano durante a Proibição.

Cala, Avenida Circuito Vial Costa Verde; Playa Barranquito; Espigon B2; Barranco; (51-1) 252-9187; calarestaurante.com.

Bar Ingles do Country Club Lima Hotel
Não há coquetel peruano mais clássico que o pisco sour. Inventado, paradoxalmente, por um mórmon de Utah chamado Victor Morris, sua receita foi canonizada nos anos 30, no Hotel Maury de Lima, que hoje serve uma versão morna e excessivamente açucarada a turistas que não conhecem seu verdadeiro sabor.

Por isso, fui ao Bar Ingles, um santuário todo revestido de madeira dentro do Country Club Lima Hotel onde o drinque (26 nuevos soles) é feito por Roberto Melendez seguindo a receita original (seu pai trabalhou no Hotel Maury nos anos 40).

Melendez usou o Pisco Qollqe, uma das novas marcas artesanais, que mediu com precisão: quatro partes de pisco para uma parte de suco de limão, uma parte de xarope simples e uma clara de ovo. Batido e despejado num copo para vinho gelado, fica com uma espuminha bacana por cima. Ele aproveitou para acrescentar umas gotinhas de bitter para dar um perfume especial.

"Este", ele disse com confiança, "é o mesmo pisco que era servido no Hotel Maury".

Bar Ingles, Los Eucaliptos 590; San Isidro; (51-1) 611-9000; www.hotelcountry.com.

  • Andy Isaacson/the New York Times

    A elegante casa Calas, no Peru


Mayta
Esse bar e restaurante contemporâneo, inaugurado há três anos, ainda estava vazio quando cheguei para jantar, às 20h30. "É cedo ainda", disse Jaime Pesaque, de 32 anos, o chef do Mayta. Resolvi visitar a casa não só por causa de seus pratos inovadores, mas também por seus tradicionais "macerados" – infusões de frutas, raízes e ervas preparados há séculos com o pisco.

Mais de cem garrafas ficam dispostas no bar, como se fosse uma botica, cheias de pisco com infusões com ingredientes locais como camu camu, iuca, gengibre, pétalas de rosa e lichia, eucalipto, folhas de laranjeira e de coca, usadas para dar sabor ao coquetel mais popular da casa, o Chilcano (20 nuevos soles). Servido num copo alto, a bebida refrescante, supostamente criada pelos imigrantes italianos chegados no século 19, combina pisco com ginger ale (refrigerante à base de gengibre), bitter e um tiquinho de suco de limão.

Depois de provar cinco Chilcanos pequenos (50 nuevos soles), fui para o salão para saborear um cardápio degustação de nove pratos deliciosos (ceviche de atum, confit de porquinho-da-índia; 160 nuevos soles). Uma hora depois, o local estava lotado.

Mayta, Avenida 28 de Julio 1290; San Antonio; Miraflores; (51-1) 243-0121; maytarestaurante.com.

Bar Huaringas
Esse bar agitado de Miraflores é dividido numa série de espaços decorados tematicamente, do térreo (Terra) ao sótão (Ar), sendo que, às onze da noite, todos estavam lotados com jovens tagarelando e bebendo coquetéis de pisco.

"A geração mais jovem desenvolveu a cultura do pisco", afirma Rosario Alcorta, 33 anos, dona do bar. "Há dez anos, eles nem sabiam o que era." De fato, o Huaringas foi o primeiro a levar o pisco sour na direção da modernidade, acrescentando-lhe sabores de frutas como o maracujá.

"Quando eu abri, os barmen mais velhos me diziam: 'O que você está fazendo? Isso não é pisco sour!'." Rosario relembra. "Agora você encontra até no Chile." Achei o coquetel (21 nuevos soles) meio ácido, mas gostei do Chilcano feito com folhas de coca (20 nuevos soles). Aí, percebi que já tinha bebido pisco demais para um dia só.

"O Peru já passou por poucas e boas", Rosario conta, "mas através da nossa comida e da qualidade do nosso pisco, encontramos motivos para ter orgulho".

Huaringas Bar, Calle Bolognesi 472; Miraflores; (51-1) 447-1133; huaringasbar.com.pe.