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Maior festa da cultura inca, Inti Raymi acontece em Cusco; conheça a cultura dos povos andinos

Felipe Floresti

Do UOL, em Cusco, no Peru

19/06/2012 08h15

Cada vez mais pessoas de outras culturas se interessam pela sabedoria das culturas andinas, principalmente pela comunhão entre o homem e toda a natureza. Anualmente, em 24 de junho, Cusco se enche de turistas que acompanham a maior festa da cultura Inca, o Inti Raymi, em homenagem ao deus sol. Desfiles, músicas e trajes típicos fazem parte da comemoração.

Além de oferecer a oportunidade de participar de rituais, como o “Pago a la Tierra”, alguns hotéis, principalmente em Machu Picchu, organizam para os casais de turistas apaixonados o Arac Masin, o casamento andino. Ele é realizado por um xamã, em idioma quíchua, em meio à floresta, e invoca os elementos da natureza: os Apus (espírito das montanhas), Pachamama, Mama Koka (a mãe coca), as Chaskas (estrelas) e o Wilka Nina (fogo sagrado), para promover uma dualidade que transcenderá a eternidade.


Mas uma viagem pelos territórios andinos reserva muito mais ao viajante do que simplesmente belezas naturais e valores arqueológicos. Pelas terras um dia conhecidas como Tawantinsuyu, unindo territórios que hoje fazem parte do Chile, Argentina, Bolívia, Peru e Equador, se estendeu o império Inca. Hoje, quase 500 anos após a invasão espanhola, parte da cultura e dos valores da civilização mais desenvolvida que habitou a América do Sul antes do domínio europeu permanece viva nas tradições do povo andino.

“Umbigo do Mundo”
A cidade de Cusco, no Peru, é o centro do império, ou como diziam os Incas: o “Umbigo do Mundo”. É lá a construção mais importante da cultura daquele povo: Qorikantcha, o Templo do Sol, centro de toda civilização. A palavra Tawantinsuyu quer dizer em quíchua “Terra de Quatro Cantos”, e representava a distribuição geográfica e administrativa do império. De Qorikantcha são traçadas duas linhas diagonais cruzadas que dividem o império Inca em quatro cantos. Ao norte, ficava o Chinchaysuyu, ao sul, Qollasuyu, com Antisuyu ao leste e Kuntisuyu a oeste.

Além delas, por volta de 40 seques, como são chamadas as linhas, ligam o templo aos Wakas, que são representações sagradas como rochas, fontes, covas e templos. Cada seque possuía de três a 15 wakas, totalizando 328 alinhados à Qorikantcha. Outro detalhe do Templo do Sol eram os muros cobertos com ouro, não para demonstrar riqueza, mas por acreditarem que o metal dourado atraísse energia.

Com o domínio espanhol a partir de 1933 acabaram as paredes de ouro, levadas pelo conquistador Francisco Pizarro e seus comandados. Eles também destruíram cidades, como na parte alta de Cusco, Saqsaywaman, cujas grandiosas pedras foram transportadas para a construção de igrejas e catedrais católicas na parte baixa.

  • Felipe Floresti/UOL

    O beijo dos noivos no Arac Masin, o casamento andino, no Peru


O catolicismo, porém, não conseguiu acabar com a cultura e a religião do povo Inca. Prova está na Catedral de Cusco, onde os trabalhadores andinos deixaram marcas da cultura Inca nos altares dedicados às santidades cristãs, como imagens de serpentes e pumas, animais sagrados dos Incas.

Andando pelas ruas do subúrbio de Cusco ou nas pequenas cidades ao longo do Vale Sagrado, como Ollantaytambo, é fácil observar o sincretismo religioso que mistura tradições autóctones com a simbologia católica. No topo das casas, pequenas estatuetas misturam bois, que representam a dualidade na filosofia inca, com a cruz cristã.

Os espanhóis sabiam dessa mistura enquanto ainda tentavam impor o catolicismo como dominante, mas acreditavam que, pelos Incas não terem nenhuma forma gráfica de escrita, em pouco tempo as antigas tradições seriam deixadas para trás. Estavam errados.

Reciprocidade
As casas simples com paredes de adobe (barro cru com palha) são representações físicas de um dos principais fundamentos da cultura Inca: o Ayni. A reciprocidade era um dos pilares máximos da vida em sociedade, e ainda influencia a população andina. Dessa forma, quando dois jovens se casam, a comunidade se une para construir o novo lar do casal. Os já casados, retribuem o benefício que já lhe foi dado, enquanto os solteiros fazem o trabalho aguardando a ajuda no futuro.

A reciprocidade também pode ser vista na religião, especialmente no mês de agosto. Pachamama, ou Mãe Terra, é a representação da natureza e fertilidade, e de onde o homem retira sua alimentação. No mês de agosto Pachamama está com a boca aberta, portanto é quando se realiza o ritual “Pago a la tierra”. Nele é feita uma oferenda com prata não trabalhada, comidas variadas, como batata e milho, chicha (uma bebida fermentada de milho com baixo teor alcoólico), sementes e folhas de coca, que é sagrada e acredita-se ser uma mediadora entre o mundo de fora (dos homens) e o mundo interior (das deidades).

Dentro das casas, as representações religiosas são mantidas em forma de altares, onde as pessoas fazem suas oferendas. Neles estão alimentos e até cigarros dedicados aos deuses, além de objetos com representações sagradas, penas de condor (animal sagrado que representa o mundo superior, das deidades) e até fetos empalhados de lhama, em referência à Pachamama, e ossos de seus antepassados.

A cultura andina afirma que tudo está interligado com uma mesma energia, que está em todas as coisas. As deidades, como Pachamama ou Inti (deus do sol), eram sagrados por serem representações divinas. Apesar de existir divisão do mundo em três partes, com o mundo dos deuses, dos homens e dos mortos, todos estão interligados. Dessa forma, a manutenção dos ossos de antepassados, ou a conservação dos corpos (prática comum desde as civilizações pré-incas), serviam para manter presente a energia dos que já foram para o mundo dos mortos.