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Barata, a cidade universitária de Coimbra, em Portugal, tem "vampiros" e estrangeiros

Seth Kugel

New York Times Syndicate

07/06/2012 08h06

Visitar uma cidade universitária certamente pode trazer lembranças: dormitórios, estudos até tarde da noite, excesso de festas, perambular pelo campus como vampiro.

A fantasia de vampiro pode ser menos familiar se você não frequentou a Universidade de Coimbra, fundada em 1290 – o que a torna uma das universidades mais velhas do mundo ainda em funcionamento – e ainda uma das escolas de maior prestígio de Portugal. Ao longo dos séculos, a universidade desenvolveu uma série de costumes e tradições coletivamente conhecidas como “praxe”, que entre outras coisas rege o uso do uniforme oficial da universidade, que consiste em parte de uma capa preta, o que dá aos estudantes um aspecto vampiresco.

Ao menos essa foi minha opinião durante meus três dias de visita a Coimbra em dezembro passado. Alguns cantavam bêbados a caminho de casa, após reuniões de Natal; dois se aproximaram de mim para pedir uma doação de 1 euro (aproximadamente US$ 1,30) para ajudar a pagar pela Queima das Fitas, o festival de maio que é a principal atração turística da cidade (eu doei em troca de posarem para uma foto comigo). Felizmente, nenhum tentou beber meu sangue.

Coimbra, que fica na região central de Portugal, é um lugar de fácil acesso e com preço barato para estadia. Eu gastei 12 euros por uma viagem de ônibus de uma hora e meia do Porto, no norte (a viagem de Lisboa é apenas um pouco mais longa e mais cara), e paguei 30 euros por noite por um quarto da Pensão Flor de Coimbra, situada em um prédio de 200 anos que agradará aqueles que gostam de telefones de discar, pisos que rangem e uma família proprietária amistosa o suficiente para tornar tolerável luz fraca, colchões irregulares e torneiras de banheiro com problemas.

A Flor de Coimbra, assim como a maioria das pensões e hotéis da cidade, fica na Baixa, o bairro do centro descendo o cansativo, mas caminhável, morro da Alta, onde fica o campus (para aqueles que não gostam de caminhar, um elevador liga a parte mais baixa à parte mais alta pelo preço de uma passagem de ônibus da cidade – três viagens por 2,20 euros). Ambas as áreas possuem ruas estreitas e sinuosas, apesar da Alta ser em grande parte tomada por prédios universitários e moradias de estudantes cobertas de grafite, enquanto a Baixa é repleta de lojas, restaurantes e outras atividades comerciais. As igrejas antigas, praças pitorescas e quase total falta de lojas de rede internacionais fazem com que ambas as áreas tenham um ar dos anos 50 – ou dos anos 1590.

O prédio central do campus é o Paço das Escolas, um ex-palácio real português, adaptado séculos atrás como espaço da universidade (Coimbra foi a capital de Portugal durante grande parte dos séculos 12 e 13). O prédio em forma de U inclui a capela principal da universidade, a escola de Direito e as tradicionais salas cerimoniais, como a elegante Sala dos Capelos, a antiga sala do trono, usada para cerimônias importantes da vida acadêmica.

Grande parte dela é aberta ao público, mas mesmo assim eu me senti meio que um espião, espiando dentro das salas de aula cheias de mesas de madeira antigas, conversando com os estudantes de Direito fumando nos balcões com arcadas, subindo escadarias cujos patamares proporcionam sucessivamente vistas mais impressionantes da cidade abaixo. Azulejos com séculos de idade (azuis e brancos) decoram muitas paredes, enquanto cartazes recém-fixados, anunciando concursos de poesia e aulas de dança, cobrem outras.

A visita a alguns espaços exige um ingresso (7 euros), ao menos na teoria. Mas descobri isso apenas depois que visitei a Sala dos Capelos – não havia guarda e nem ninguém para conferir o ingresso – e fui barrado tentando entrar na capela. Horrorizado com minha transgressão anterior, eu voltei imediatamente e paguei pelo meu ingresso. Brincadeira! Eu optei pela rota frugal, apesar de eticamente questionável, de evitar o ingresso. E como a capela realizaria um concerto natalino gratuito naquela noite, eu sabia que a veria, apesar de não a biblioteca, que aparentemente é deslumbrante.

Os hinos natalianos a cappella, cantados pelos estudantes naquela noite, foram adoráveis, mas a verdadeira música de Coimbra é o fado, a música melancólica cuja versão local difere significativamente do estilo mais conhecido de Lisboa. Em Coimbra, os cantores são tradicionalmente do sexo masculino; eles costumam se apresentar em duplas ou em grupos e usam um tipo ligeiramente diferente de violão, entre outras distinções.

Eu fui informado que a Queima das Fitas, o festival de maio, é a melhor época para apreciar o fado local. Mas há vários pontos que funcionam como espaços de apresentação o ano todo. Dentre aqueles em que estive, o melhor também era gratuito: o Café Santa Cruz sem couvert, na Baixa, situado desde 1923 sob os tetos abobadados que costumavam fazer parte da igreja e mosteiro adjacentes do século 16. Na quinta-feira em que fui, o público esparso era composto principalmente de casais idosos sentados em atenção arrebatada; os cantores eram dois senhores mais velhos, ex-estudantes universitários, com as capas para provar: Florentino Silva, 78 anos e aspecto gentil, e Mario Gomes Pais, 56 anos e aspecto mais endiabrado, com queixo pontudo, cavanhaque e um vozeirão. As vozes deles ecoavam pelos tetos elevados do café. Um casal brasileiro na mesa ao meu lado, que morou em Coimbra quando o marido fez mestrado anos atrás, cantava junto.

  • Seth Kugel/The New York Times

    Vista geral de Coimbra a partir de uma escadaria na Escola de Direito da universidade

Eu fiquei inicialmente surpreso ao encontrar um brasileiro que estudou em Coimbra. Mas logo descobri que os brasileiros estão em toda parte, assim como estudantes e moradores oriundos de outras antigas colônias portuguesas, de Angola até Macau. Quando vi dois estudantes aparentemente africanos, eu fingi precisar de informações sobre uma exposição de arte, na esperança de descobrir de onde eram. A resposta fascinante: Guiné-Bissau, o minúsculo país do Oeste da África que se tornou independente de Portugal em 1974. Com o colapso da economia de Portugal, foi tocante experimentar os vestígios de seu antes vasto império por meio desses visitantes.

A população estudantil pode ser internacional, mas a maioria dos restaurantes da cidade é puramente portuguesa. No meu primeiro dia, eu caminhei pela Rua das Azeiteiras, uma rua apenas para pedestres na Baixa que é repleta de restaurantes. Eu ativei meu sexto sentido frugal, analisando os cardápios de almoço colocados do lado de fora e a clientela lá dentro, na esperança de deduzir qual ofereceria a melhor comida pelo menor preço.

Eu optei pela "A Cozinha", um local de aparência aconchegante oferecendo um item por 6 euros chamado “secretos do porco preto com ananás”, que traduzi como “segredos de porco preto com abacaxi”. Ah, que história eu poderia contar sobre um prato barato de nome estranho!

Infelizmente, meu sexto sentido frugal (se é que ele existe) fracassou miseravelmente e meu português (que costuma ser sólido) também. “Secretos” é na verdade um corte de carne, e “porco preto” se trata de uma raça – o porco preto ibérico. Ainda promissor... mas estavam sem o prato. Eu acabei comendo um insosso filé de peixe.

Na esperança de complementar minha refeição com algo gratuito, eu devorei pedaços do saboroso pão português, uma pequena rodela de queijo e algumas azeitonas. Que ótimo país, eu pensei: não apenas o pão era complementar, mas também o queijo e as azeitonas!

Então veio a conta. Eu fui cobrado por tudo: 1,25 euro pelo pão, 3 euros pelo queijo, até mesmo um euro pelas duas ou três azeitonas. O total: caros 15,25 euros (cerca de US$ 19,75). Um fracasso frugal autoinfligido: é assim que as coisas são em Portugal.

Eu fiz posteriormente algumas refeições adoráveis, como a chanfana (carne de cabra cozida em molho de vinho tinto; 7,50 euros) no Democrática, um ponto de estudantes por vezes ruidoso. Mas foi em uma padaria chamada Pastelaria Arco-Íris que fiz minha melhor refeição em um dia chuvoso: suco de laranja espremido na hora, pão, canja de galinha, um espresso e doces saborosos como filhóses de abóbora (sonhos de abóbora). A conta final foi de menos de 8 euros.

Mas o verdadeiro campeão da viagem foi um ponto cultural: o Museu Acadêmico, um museu pague o que quiser dedicado à própria universidade, escondido no segundo andar de um enorme prédio acadêmico na Rua dos Estudos. Quando entrei, um homem grisalho, chamado António Dias, saltou de sua cadeira na mesa de recepção.

“Quanto tempo você dispõe”, ele perguntou. Eu disse que bastante. “Bom”, ele disse. Dias, poliglota e de óculos, então me serviu de guia, recontando a história da universidade e me enchendo de perguntas para me manter atento. Ele apontou imagens de como as capas de vampiro – isto é, os uniformes tradicionais – mudaram ao longo dos séculos, me mostrou violões de fado de Coimbra, os instrumentos de trote (quase que de tortura) usados dentro do sistema de praxe e a garrafa de vinho de cerâmica disfarçada de livro, com o título de “Enciclopédia Vinícola”. Eu posso não entender totalmente as capas, mas a música, os trotes e beber escondido – eram temas universitários familiares demais. (Tradução: George El Khouri Andolfato)