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Passeio no Pantanal traz contato com o melhor da vida selvagem brasileira

Seth Kugel

New York Times Syndicate

21/04/2012 07h00

A rodovia Transpantaneira, apesar de seu nome grandioso, é uma estrada de terra não finalizada, que corre por mais ou menos 145 km de Poconé, em Mato Grosso, até o Pantanal, vasta área de terras úmidas que muitos consideram como o melhor lugar da América do Sul para a observação de animais.

Mas ela não é apenas uma estrada: é uma pista de "slalom" crocodiliana. Enquanto eu me sacudia através dela, dentro de um Fiat Uno alugado, meus faróis captaram o brilho de dúzias de olhos vermelhos me encarando, na escuridão completa mais à frente. Eles pertenciam a jacarés-do-pantanal que haviam decidido que a estrada era um lugar confortável para descanso.

Existem literalmente milhões de jacarés no Pantanal e eles não abrem caminho para ninguém. Então eu desviei deles, lembrando-me da história que o funcionário da agência de aluguel de carros havia me contado, apenas algumas horas antes, sobre a vez quando ele foi obrigado a dormir em seu caminhão porque a estrada estava tão coberta por jacarés a ponto de ele não conseguir passar.

Eu tive mais sorte. Alguns minutos depois, estava virando na estrada que leva à Pousada Rio Clarinho, a primeira das duas hospedagens onde ficaria durante minha viagem ao Pantanal. Não havia mais jacarés, mas a estrada através da mata fechada era sinuosa e profundamente esburacada, diminuindo meu ritmo para um arrastar acidentado. Liguei meus faróis altos enquanto rodeava uma curva, enfiei o pé no freio e proferi uma expressão muito alta e profana de surpresa.

A apenas 3 metros à frente, arrastava-se o animal mais estranho que eu já havia visto.

Embora ele talvez tivesse um metro e meio de comprimento, quase não havia um corpo: a maior parte dele era composta por um focinho em forma de tubo na frente e uma cauda peluda atrás, que Wilma Flintstone poderia ter usado como espanador de móveis.

Eu estava olhando para um raro tamanduá-bandeira e sequer havia me hospedado no hotel ainda.

As coisas só foram melhorando. Na pousada, havia um jantar me esperando, de frango assado, arroz, feijão e salada, que fazia parte do pacote da Rio Clarinho, onde eu estava pagando R$ 150. O pacote incluía um quarto rústico mas 'sobrevivível’, três refeições diárias e um guia pessoal para passeios.

Fauna abundante

O Pantanal vive à sombra da Amazônia, sua gigantesca vizinha ao norte.

Eu adoro a Amazônia por seus rios e vilarejos, suas frutas exóticas e sua vastidão. Mas, para viajantes econômicos em busca da vida selvagem, ela não se compara ao Pantanal. As hospedagens amazônicas em geral são mais caras e mais distantes das cidades (e dos principais aeroportos) e os animais, mais difíceis de serem vistos – lá é literalmente uma selva. No Pantanal, as onças podem ser evasivas, mas as capivaras, araras-azuis, tamanduás-bandeira e quatis-de-cauda-anelada praticamente irão posar para você, caso se aproxime em silêncio.

  • Seth Kugel/New York Times Syndicate

    Ariranha é vista nadando em rio durante excursão por terras pantaneiras

Localizado no centro geográfico da América do Sul, o Pantanal espalha-se por dezenas de milhares de quilômetros quadrados de planícies alagadas abertas e florestas tropicais no Paraguai, Bolívia e (em sua maior parte) Brasil.

Veranistas que estejam se dirigindo ao Pantanal têm montes de decisões para tomar: eles deveriam seguir pelo sul, voando até Campo Grande (como fazem a maioria dos viajantes econômicos), ou pelo norte (como eu fiz), via Cuiabá? O que é melhor, a estação seca ou a chuvosa? (A maioria favorece a seca, que vai de abril a setembro, com mais animais e menos lama.) E eles deveriam marcar excursões com antecedência, ou ir por conta própria?

A maioria marca as excursões. Mas me decidi por um voo solo, reservando meus próprios quartos no último minuto, e assim ganhando alguma flexibilidade e ao mesmo tempo economizando algumas taxas cobradas pelas excursões. Tive de pular os caros passeios de barco que duram um dia inteiro, destinados ao propósito de avistar onças. Mas quem precisa de onças quando tem um comitê de recepção que inclui um tamanduá-bandeira?

A Rio Clarinho é um pouco pobre – uma reforma em seus banheiros seria bem vinda –, mas trata-se de um lugar agradável e honesto. O proprietário, Afrânio, me disse que um nativo do Pantanal de 32 anos, chamado Tuca, estaria ''completamente à minha disposição’' como guia, por dois dias.

Passeio com guia

Essa não é uma frase que eu tenha ouvido com frequência como viajante frugal. Mas era maravilhosa e impressionantemente verdadeira. Durante o próximo dia e meio, Tuca e eu procuramos pela vida selvagem em uma caminhada diurna, uma caminhada noturna, um passeio a cavalo, uma viagem de barco e um passeio até uma torre de madeira que ficava acima das árvores da propriedade, para vermos o nascer do sol. Nós também fomos pescar com varas de bambu e pedaços de carne como iscas, que eram surrupiados por urubus caso deixássemos as iscas sem supervisão.

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    Observar aves é uma das atividades mais interessantes de um passeio pela região do Pantanal

Tuca não falava muita coisa de inglês, mas tinha uma habilidade incrível para rastrear animais. Nós encontramos macacos-prego e saguis balançando nas árvores, jabutis retraindo-se para dentro de seus cascos, cutias, cervos-do-pantanal, antas, um quati-de-cauda-anelada que parecia um guaxinim e atravessou o nosso caminho, e um tamanduá-mirim escalando um galho de árvore. Em certo momento, ao ouvir um bater de asas, Tuca disse ''Urubus. Uma onça deve ter matado alguma coisa’' e começou a abrir caminho pelo mato com seu facão. E lá estava, uma carcaça de uma anta debaixo de uma nuvem de moscas. A onça, foi uma pena, já havia ido embora.

Os pontos altos do passeio foram a nossa excursão pelo rio e a caminhada noturna. No rio Clarinho, nós passamos por algumas amigáveis ariranhas, a maioria das quais nos saudou com um som que as pessoas mais imaturas poderiam comparar a uma almofada flatulenta. Uma delas estava mastigando um peixe que havia capturado como se fosse uma barra de doce.

Aves e jaguatiricas

O outro viajante solitário da pousada, um britânico chamado Gabriel, juntou-se a nós para uma caminhada noturna. Ele estava um pouco tenso sobre irmos a pé. ''Se um de nós pisar em uma cobra coral, estamos acabados’', disse ele. ''Isso é como um jogo de roleta russa, ao estilo do Pantanal’'. Mas não vimos nenhuma cobra, apenas um cachorro-do-mato e outro tamanduá-mirim.

Então, quando nos aproximávamos do final da caminhada, Gabriel teve um lampejo de dois olhos vermelhos na estrada à frente. Nós corremos até o local, e apontamos nossas lanternas para o mato. ''Jaguatirica!'', sussurrou Tuca. Uma jaguatirica estava nos encarando a 12 metros de distância.

Eu sou maluco por mamíferos e répteis, mas os que têm mais motivos para vir ao Pantanal são os observadores de pássaros. Eu tive que pegar binóculos emprestados, mas admito que os pássaros preencheram admiravelmente a lacuna entre mamíferos e répteis. É impressionantemente fácil encontrar araras-azuis, tucanos, papagaios, corujas, cegonhas e, o meu favorito, o colhereiro.

Pouso Alegre

Minha segunda parada foi a pousada Pouso Alegre, um lugar um pouco mais luxuoso, onde os quartos ofereciam coisas como cabides, prateleiras e portas de banheiro que se fechavam completamente. A pousada é localizada em uma linda paisagem ampla, o que significa que você pode andar sozinho sem correr o risco de se perder. Os preços também não eram dos piores: R$ 240 por um quarto de solteiro (embora eu tenha cavado um desconto e conseguido R$ 180, porque o proprietário da Rio Clarinho telefonou e explicou meu caso de viajante com limitações financeiras).

  • Seth Kugel/New York Times Syndicate

    Grupo de capivaras entram em rio nas proximidades da pousada Pouso Alegre, no Pantanal

Mas a melhor parte provavelmente foi o proprietário, Luiz Vicente Campos Filho, que possui conhecimento enciclopédico dos animais e principalmente dos pássaros que vivem naquela terra. Isso não foi surpresa, já que a fazenda onde a pousada se localiza pertence à sua família há um século; o que foi surpreendente, no entanto, foi que ele falava um inglês excelente e encontrava tempo para servir como guia para viajantes que não participam de excursões, quando ele podia.

O estilo de ambas as pousadas era de relaxamento total. O Pantanal é quente, então as atividades cessam do final da manhã até o meio da tarde, com as redes preenchendo esse tempo antes e depois do almoço, que era em estilo bufê, em ambos os lugares. A soma da variedade e das sobremesas feitas pela adorável mãe de Luiz Vicente, Zélia Perfeit, deram a Pouso Alegre a vantagem culinária.

Mas sem um guia à disposição, na Pouso Alegre eu tive de me virar mais.

Andei sozinho um pouco, embora não tenha me desviado da estrada principal, sob ordens de Dona Zélia. Avistei um ou dois cervos e fiquei de boca aberta com os enormes jaburus em seus ninhos acima da estrada, mas me vi cada vez mais atraído pelos adoráveis e superdesenvolvidos roedores conhecidos como capivaras.

Pesando aproximadamente 45 quilos, a principal linha de defesa das capivaras contra os humanos que aproximam-se portando lentes com zoom é permanecerem completamente paradas. Elas então se "escondem" abaixando na água, que fica na altura dos joelhos, ou então emitem um estranho latido que soa como um porco imitando um pastor alemão. Eu queria ter trazido uma para casa.

Opções de viagem

Fazer meus próprios arranjos de viagem foi a coisa certa? Certamente foi mais barato e teria sido ainda mais se eu estivesse viajando com algum amigo, para rachar o aluguel do carro e compartilhar um quarto.

Mas as excursões com guia têm preços iniciais de R$ 300 por dia, o que também é bem razoável, e garantem que você terá um guia que fala inglês. Para mim, a flexibilidade fez com que tudo valesse a pena.

Escolhi a segunda pousada apenas depois de ter escutado as opiniões de outros viajantes, e não tive problemas para reservar um quarto de última hora, mesmo no atribulado mês de agosto, quando a estação seca encontra a alta estação para europeus e americanos.

Esse é o tipo de flexibilidade que é difícil conseguir na Amazônia, onde as reservas são aconselháveis, já que as hospedagens podem ficar separadas por centenas de quilômetros e uma viagem de barco, em vez de um percurso de carro de 20 minutos por uma estrada.

Em comparação, desviar de alguns poucos jacarés preguiçosos em uma estrada de terra foi uma brisa.

Se você for

Existem diversos voos diretos que saem de São Paulo (e alguns voos com uma escala, do Rio de Janeiro) até Cuiabá. Compare preços no site submarinoviagens.com.br.

Na Pousada Rio Clarinho, os quartos custam R$ 150 para solteiros e R$ 280 para casais; na Pouso Alegre, os preços são respectivamente de R$ 240 e R$ 340. Os que buscam onças podem tentar o Jaguar Ecological Reserve, que é mais caro (R$ 290 para solteiros, R$ 380 para quartos duplos), mas oferece barcos a R$ 500 por dia, um bom preço para casais ou grupos.

Para excursões pré-arranjadas, tente Laércio Sá, guia-chefe da Pantanal Eco-Safari, com quem me encontrei e de quem realmente gostei.
 

 

* Matéria publicada originalmente em outubro de 2011.