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Caminho de Santiago leva peregrinos a uma viagem de fé, aventura e superação

MARCEL VINCENTI

Da Redação

10/11/2011 07h00

Percorrido por peregrinos desde a Idade Média, o Caminho de Santiago está longe de ser apenas um roteiro turístico. Localizado entre a Espanha e a França, e com ramificações em Portugal, o percurso congrega, como poucas viagens no mundo, enormes doses de religiosidade, história e lindas paisagens. Mas vale ressaltar: andar por suas estradas, subir suas montanhas e cruzar os seus rios sempre foi, acima de tudo, um ato fervoroso de fé e um desafio de superação física.  

O caminho surgiu a partir da descoberta, no século 9, do túmulo do apóstolo São Tiago no que viria ser a cidade de Santiago de Compostela. Não demorou para que devotos de toda a Europa começassem a empreender longas viagens para chegar ao corpo do homem que foi discípulo de Jesus Cristo.

Ao longo das rotas de peregrinação foram construídos castelos, igrejas, ermidas, pontes, muralhas, mosteiros e até cidades inteiras. Tudo rodeado por bosques vicejantes, paisagens rurais bucólicas e montanhas imponentes.

O hábito de superar longas distâncias para chegar a Compostela (que, há exatos 800 anos, ganhou uma catedral monumental para abrigar os despojos de São Tiago) manteve-se vivo ao longo dos séculos e, mesmo com carros, motos, ônibus e bicicletas à disposição, a maioria dos viajantes modernos faz questão de percorrer o caminho a pé (a rota mais popular do percurso, entre a cidade de Saint Jean Pied de Port e Santiago de Compostela, tem cerca de 800 km de extensão).

“Cada pessoa tem uma motivação especial para percorrer o caminho”, opina a ex-auditora (e hoje andarilha profissional) Katia Esteves, 57 anos, que afirma ter superado uma depressão profunda após vencer a jornada pelo norte da Espanha. “Estava em uma época difícil da minha vida e cheguei a tentar suicídio, mas consegui me reencontrar durante a viagem”. Até hoje, Katia já percorreu mais de uma dezenas de vezes o Caminho de Santiago e é uma das maiores especialistas sobre o roteiro no Brasil.

A rota

“O Caminho de Santiago começa na casa do peregrino”, prega o ditado usado pelos adeptos do percurso. E, de fato, são muitas as rotas que levam até a cidade de Santiago de Compostela. As mais populares delas, porém, são as que começam na fronteira entre a Espanha e a França, à sombra da cordilheira dos Pirineus.

Uma delas é o “Caminho Francês”, que tem início no interior da França e entra na Espanha via a cidade de Roncesvalles. O outro, considerado um dos mais belos pelos viajantes, é o “Caminho Aragonês”, que ingressa em território espanhol pelo posto de passagem de Somport (localizado no Valle del Aragón, cheio de montanhas, lagoas e bosques).

As duas rotas irão se encontrar, cerca de 150 km depois, na cidade de Puente la Reina, que as une em um trajeto único rumo a Santiago de Compostela. Na região está a ermida Santa María de Eunate, que, erguida sobre uma planta octogonal no século 12, reúne restos mortais de antigos peregrinos e é considerada um dos lugares mais sagrados de toda a rota.

A cidade de Puente de la Reina, por sua vez, abriga uma das pontes mais famosas de todo o caminho, a Puente de los Peregrinos que, construída no século 11 e sustentada por belíssimos arcos, cruza o rio Arga.

A distância que separa esta etapa da viagem da cidade de Santiago de Compostela é de aproximadamente 670 km. No caminho (que abrange mais de 30 cidades) o viajante poderá conhecer, entre outras centenas de atrações, a igreja do Santo Sepulcro (fundada no século 12 e que exibe arquitetura de influências árabes), a região de La Rioja (a mais famosa produtora de vinhos da Espanha), o Monastério de Santa María la Real (fundado em 1052 pelo rei Don García Sanchez III, após ele ter encontrado no terreno uma estátua da Virgem Maria) e a catedral de Santo Domingo de la Calzada, que começou a ser erigida em 1158 e contém lindas peças de arte sacra, como trípticos flamencos dos século 15 e 16.

  • Divulgação/Escritório de Turismo da Embaixada da Espanha

    Peregrinos do Caminho de Santiago cruzam aldeia de pedra no norte da Espanha

Já na cidade de León, na segunda metade do percurso, o viajante pode conhecer o Convento de San Marcos, usado, em tempos remotos, como hospital para os peregrinos do Caminho de Santiago. Na região também está a Catedral de Santa María de Regla, que exibe uma coleção de 737 vitrais religiosos e, alguns quilômetros mais para frente, na cidade de Astorga, o peregrino tem a chance de admirar o Palácio Episcopal de Astorga, projetado pelo arquiteto catalão Antoni Gaudí.

É tradição entre os peregrinos depositar pedras de seu país de origem aos pés da Cruz de Ferro, localizada no ponto mais alto (1.490 metros) deste roteiro do Caminho de Santiago, nas proximidades de Astorga. Portanto, não se esqueça de colocar em sua mochila algumas pedrinhas de sua cidade antes de tomar o avião rumo à Europa.

O roteiro, a partir daí, descerá a belas cidades como Ponteferrada (onde há um enorme castelo medieval) e Sarria. E os últimos 100 km para Santiago de Compostela cruzarão cidades como Portomarín (que abriga a Ponte Romana, erguida em 1112) e Pedrouzo.

Os andarilhos admitem que a caminhada é árdua (algumas rotas podem durar mais de um mês, com a pessoa andando cerca de 30 km por dia) e se impressionam com a comunhão que se forma entre viajantes que sequer se conhecem. “Vi peregrinos cuidando de bolhas nos pés de pessoas que eles nunca tinham visto, e eu mesmo fui amparada inúmeras vezes nos momentos em que me senti cansada e com dores no corpo”, conta Antonella Satyro, 26, publicitária de Curitiba que percorreu parte do “Caminho Francês” entre os dias 3 e 19 de outubro deste ano. “Ninguém pede nada em troca da ajuda, e essa é uma das grandes lições que aprendemos na viagem”.     

Após superar a jornada, os peregrinos sobem cantando o famoso Monte do Gozo. No horizonte estará, finalmente, a catedral de Santiago de Compostela, que, com sua imponência e aura sagrada, será a recompensa perfeita para o peregrino extenuado e, muito provavelmente, orgulhoso de si mesmo. 

  • Divulgação/Escritório de Turismo da Embaixada da Espanha

    Após percorrer o Caminho de Santiago, viajantes descansam ao lado da catedral de Compostela

Finisterre

O Caminho de Santiago, porém, não acaba por aí. O viajante tem a opção de seguir andando e chegar a um dos pontos mais ocidentais do continente europeu: o Cabo Finisterre. No local, de frente para o Oceano Atlântico, e à sombra de um antigo farol, os peregrinos queimam suas roupas para, de acordo com a especialista Katia Esteves, “simbolizar o despojamento dos antigos hábitos e o início de uma nova vida”. Um belo final para a mais transcendental das jornadas.      

Dicas

A melhor época para percorrer o Caminho de Santiago é entre abril e outubro, quando o clima está propício para longas caminhadas. 

A hospedagem mais econômica da rota são os albergues municipais, encontrados em boa parte das cidades do percurso. Quem quiser mais conforto, porém, pode se hospedar em albergues privados e até luxuosas pousadas, equipadas com restaurantes sofisticados. Há também mercados e farmácias espalhados ao longo da rota.

Vista roupas leves e confortáveis e seja austero na hora de fazer a mala, deixando-a o mais leve possível (não é aconselhável que ela tenha mais que 10% do peso do viajante). Leve, se possível, uma capa de chuva e sacos de dormir.

É imprescindível que seus sapatos sejam resistentes e confortáveis (bolhas nos pés são um dos incômodos que mais infernizam a vida dos peregrinos).

Mais informações:

www.spain.info/pt_BR/conoce/grandes-rutas/caminodesantiago/

www.xacobeo.es

www.santiago.org.br (site com informações específicas para peregrinos brasileiros)