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Famosas por suas bebidas, conheça as terras agrícolas da Califórnia

Envolto pelo sinuoso e estreito Rio Navarro, o Vale Anderson fica a duas horas de carro de San Francisco, no interior subapreciado de Mendocino County - Lianne Milton/The New York Times
Envolto pelo sinuoso e estreito Rio Navarro, o Vale Anderson fica a duas horas de carro de San Francisco, no interior subapreciado de Mendocino County Imagem: Lianne Milton/The New York Times

FREDA MOON

New York Times Syndicate

02/01/2011 08h00

Antes mesmo do primeiro gole de vinho, eu estava embriagada com o cheiro de terra queimada e da folhagem. Era agosto e o ar estava quente e seco, além da salpicado de borboletinhas brancas. As colinas estavam cobertas de palha, com os vinhedos verdes subindo por suas encostas. A cena era intoxicante.

Situados entre cadeias montanhosas costeiras cobertas de sequoias e carvalhos, e envolta pelo sinuoso e estreito Rio Navarro, o Vale Anderson fica a duas horas de carro de San Francisco, no interior subapreciado de Mendocino County. Serrarias e pomares de maçãs antes prosperavam aqui, mas agora colinas cobertas de vinhedos cercam a série de vilarejos que pontilham o vale – a maior cidade é Boonville, com 715 habitantes.

Em uma geração, este vale com 40 quilômetros de extensão passou de um lugar atrasado no norte da Califórnia a um nome internacionalmente conhecido por seus vinhos. Mas diferente de Napa e Sonoma ao sul, o Vale Anderson manteve sua identidade com uma forte independência rural, reforçada pelo acesso inadequado à Internet, recepção ruim de celulares e, entre os moradores locais mais antigos, um ceticismo palpável em relação ao país que fica além das divisas de Mendocino.

Aqui não há ônibus de turismo transportando turistas de uma vinícola para outra; aqui não há spas de luxo e restaurantes chiques com listas de espera de vários meses. A área até mesmo conta com sua própria língua elaborada, o boontling, criada no final dos anos 1800 (e usada até meados do século 20). Apesar do Vale Anderson ficar a uma distância curta da Área da Baía de San Francisco, ele parece bem mais distante – tanto geograficamente quanto no tempo. Mas esse distanciamento é um atributo, uma rajada de ar fresco.

No extremo norte do vale, a 16 quilômetros de Boonville, a sala de degustação da Navarro Vineyards – um prédio como um celeiro com paredes de sequoia e candelabros de garrafas verdes de vinho – serve vinhos impressionantes, pinot noirs encorpados e vinhos brancos frutuosos ao estilo da Alsácia, cercado por jardins de rosas, fontes e um cercado de 8 mil metros quadrados de ovelhas, que são usadas para limpar a vegetação rasteira dos vinhedos.

Em uma tarde de quinta-feira, turistas europeus se apoiavam no balcão branco de fórmica degustando os vinhos com prazer. Nenhum deles cuspiu.

Para uma pessoa novata em vinhos, a linguagem de um connoisseur pode soar como uma língua estrangeira, envolta em metáfora, cor e memórias irrepreensíveis. Entre a lista de últimos lançamentos da vinícola, por exemplo, estava o gewurztraminer, descrito como tendo uma “mistura brilhante” de frutas, flores e “brulée de abacaxi”, e o pinot noir, com toques de “cereja silvestre com bacon e torrada”. Ambos eram deliciosos, mas para mim não tinham sabor nem de café da manhã e nem de sobremesa.

  • Lianne Milton/The New York Times

    A Anderson Valley Brewing Company é a maior empregadora privada da cidade e uma instituição local

A primeira vinícola pós-Proibição no Vale Anderson, a Husch Vineyards, iniciou suas atividades em 1971 – e logo foi seguida por um pequeno grupo de vinicultores aventureiros. Eles corriam um risco significativo; o vale enfrentava um frio muito severo para boas uvas para vinho.

Mas o produtor de champanhe francês, Louis Roederer, se estabeleceu aqui no início dos anos 80, colocando o Vale Anderson no mapa. A indústria do vinho desde então explodiu, crescendo de apenas um punhado de vinhedos nos anos 70 para mais de 70 agora.

Hoje, a região é mais conhecida pelo pinot noir, que é celebrado em um festival anual em maio. Brendan McGuigan, um sommelier de Mendocino e autor de um livro que será lançado em breve sobre os vinhos de Mendocino County, considera o pinot “a joia da coroa do vale”. Ele tem “um estilo próprio”, ele diz, “rico em frutas, misturado com marga, cogumelos e o cheiro de mata encontrada nos limites de cada vinhedo”.

O caminho pela Highway 128, estreita e com duas faixas, vale o passeio por si só. A estrada segue para oeste e serpenteia por colinas cobertas de carvalhos e ao longo de um rio margeado por sequoias antes de chegar à Highway 1, no Oceano Pacífico.

Ao longo do caminho, ela corta o Vale Anderson e passa por fazendas que criam lhamas, cabras, ovelhas e gado. Há o Reilly Heights Ranch, uma grande casa de fazenda em vermelho-queimado ao lado de um lago coberto de lírios. E há placas de madeira, pintadas à mão, anunciando vários tipos de maçãs no Gowan’s Oak Tree, o último dos pomares tradicionais do vale.

A barraca de frutas do Gowan vende picolés de sidra, um clássico infantil no norte da Califórnia, e 45 variedades de maçãs, 15 de pêssegos e 12 tipos de ameixas – além de peras, caquis, damascos, cerejas e várias frutas vermelhas. Em uma região tomada por vinhedos, o que é colhido no Gowan é quase tão empolgante quanto as uvas de prestígio.

Ainda assim, as bebidas inebriantes são o que o Vale Anderson produz de melhor. Em Boonville, a capital não oficial deste canto de população esparsa de Mendocino, a Anderson Valley Brewing Company é a maior empregadora privada da cidade – e uma instituição local. Nos últimos anos, a reputação da cervejaria cresceu (assim como suas vendas, com a AVBC atualmente estocada em muitas lojas de cerveja de cidades grandes). A sede da empresa em Boonville possui um campo de golfe com 18 buracos, um telhado repleto de painéis solares e um mascote chamado Barkley, um urso com chifres. Uma guia turística da cervejaria – uma jovem de 23 anos – explicou que os fundadores, “estavam um pouco chapados, um pouco bêbados, e chegaram a esta ideia: um urso (bear) mais um cervo (deer) é igual a cerveja (beer)”.

A visita teve início no longo bar de cobre do centro de visitantes da cervejaria (os visitantes têm direito a duas amostras, com volume de um copo provador, como parte do ingresso de US$ 5), então passando para a área de produção de três andares. Lá, os visitantes se revezam esticando suas cabeças dentro de recipientes de cobre gigantes, cheirando a receita do dia. As várias peças de equipamento – compradas de uma cervejaria alemã e transportadas por mais de 8 mil quilômetros até Boonville – são obras magníficas de arte industrial de meados do século 20. Com seus enormes tanques de preparo e fermentação, painéis de controle antigos e calor transpirante, a sala lembra a casa das máquinas de um barco a vapor.

No porão, que é usado para fermentação e engarrafamento, cerveja borbulha e espuma, transbordando para o piso de cimento como o produto de uma máquina de lavar excessivamente cheia de desenho animado. No freezer, a guia colocou lúpulo seco em nossas mãos. “Cheirem”, ela disse. “Dá para colocar na bolsa, como potpourri.”

Enquanto o grupo partia, um dos cervejeiros – cheio de orgulho – ofereceu uma degustação de uma cerveja sazonal, a Winter Solstice, que era passada de uma pessoa para outra e compartilhada em um único copo. “A cerveja disponível no centro do visitante”, disse a guia, “é a mais fresca que vocês já tomaram”. Ela deve saber; os funcionários têm direito a uma cerveja por turno, além de garrafas para levar para casa.

Ao passar por Boonville, a Highway 128 se transforma na principal rua da cidade. Ela é margeada por um punhado de lojas, alguns poucos restaurantes despretenciosos e o Boonville Hotel, uma “estalagem moderna” que é o único da cidade. (Outra opção de hospedagem fora da cidade é o Toll House Inn, na Fazenda Bell Valley, ao largo da Highway 128.)

No Boonville Hotel, após o fechamento das salas de degustação e o término da exploração, os hóspedes descansam na ampla varanda lateral, desfrutando dos últimos raios de sol, enquanto sombras em formas de árvores crescem nos cantos do amplo jardim dos fundos.

À noite, as velas e lâmpadas são acesas e para aqueles que comem ali, a comida começa a deixar lentamente a frenética cozinha. Mas as refeições são lentas, já que não resta muito mais o que fazer nas noites em Boonville além de conversar – o ambiente, a companhia e o vinho levam as pessoas a permanecerem à mesa muito mais tempo após os pratos já estarem vazios. E nessas horas pós-jantar, os pais desistem de discutir com os filhos, que começam a correr de um lado para outro, agitadas pelo açúcar pós-sobremesa, e mesas vizinhas começam a discutir política e família – coisas geralmente não feitas entre estranhos.

Tudo isso, a degustação de vinho e visita à cervejaria, picolés de sidra e maratonas de jantar, pode facilmente beirar uma indulgência excessiva. No dia seguinte, eu fui ao Parque Estadual Hendy Woods. A 13 quilômetros a noroeste de Boonville, perto da cidade de Philo, ele é a cura do Vale Anderson para seus próprios excessos. Lá, sequoias gigantes se erguem dezenas de metros de altura, criando um cenário privado de luz abaixo – uma câmara de privação sensorial primitiva.

Sob a copa, é frio independente da estação e escuro o suficiente para ser sinistro mesmo ao meio-dia. O sol que penetra pelo teto elevado chega em raios longos, como espadas. Salvo o som dos passos nos galhos e folhas secas e um ocasional canto de pássaro no alto, a floresta é assustadoramente silenciosa. É difícil imaginar um sentimento mais distante da metrópole, a duas horas ao sul.

  • Lianne Milton/The New York Times

    O Gowan's Oak Tree é o último dos pomares tradicionais do vale

Se você for

O Vale Anderson não pode ser plenamente explorado sem um carro. Carros para alugar tanto em San Francisco quanto em Santa Rosa. Na Área da Baía, tome a Highway 101 até a Highway 128 no sentido oeste, na direção de Mendocino.

Onde comer

O Libby’s Restaurant (8651 Highway 128, Philo; 707-895-2646) é um restaurante mexicano despretensioso com decoração semelhante à de restaurante-lanchonete, considerado por muitos moradores locais como sendo o melhor do vale.

O Lauren’s Cafe (14211 Highway 128, Boonville; 707-895-3869) é o ponto de encontro local; ele serve um cardápio internacional eclético em uma sala de jantar com toalhas de mesa xadrez; há entretenimento – de cultura inútil a música ao vivo – em muitas noites.

O Boonville Hotel (14050 Highway 128, Boonville; boonvillehotel.com; 707-895-2210) oferece lanches saborosos para café da manhã, sanduíches em pão fresco e uma boa seleção de opções para piquenique – o melhor para uma refeição rápida ou algo para viagem.

Onde ficar

O Boonville Hotel (14050 Highway 128, Boonville; boonvillehotel.com; 707-895-2210) é o único hotel em Boonville, uma estalagem casual, mas elegante, com um restaurante impressionante.

O Toll House Inn (12378 Boonville Road, Boonville; tollhouseinn.com; 707-895-2572) fica em meio a 260 hectares de prados e floresta nas colinas ao leste da cidade.

O que fazer

A Navarro Vineyards (5601 Highway 128, Philo; navarrowine.com; 707-895-3686, ou 800-537-9463; diariamente das 10h às 17h), uma das mais velhas vinícolas pós-Proibição do vale, serve vinhos excelentes em uma sala de degustação atraente. Visitas duas vezes ao dia, caso o clima permita. Ligue com antecedência ou faça reserva online.

Parque Estadual Hendy Woods (18599 Philo-Greenwood Road, Philo; parks.ca.gov; 707-895-3141; estacionamento, US$ 8) oferece caminhadas sob sequoias gigantes ou, durante os quentes meses de verão, nadar no Rio Navarro.

Anderson Valley Brewing Company (17700 Highway 253, Boonville, avbc.com; 707-895-2337, $5) oferece visitas das 13h30 às 15h, de segunda a sábado, nos meses de verão. Telefone para se informar a respeito dos horários de inverno.

Para chegar à Pepperwood Pottery (milha 14.68, Highway 128 com Salmela Road, Navarro; 707-895-3640) procure pelo mosaico de ladrinhos na estrada, que leva ao estúdio de cerâmica e showroom de Doug Johnson – uma série de pequenos prédios espalhados pela encosta.

Tradução: George El Khouri Andolfato