ROTEIROS INTERNACIONAIS

Na pior na América do Sul: fuja de roubadas típicas no Peru e na Bolívia

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Felipe van Deursen
Do UOL, em Cusco (Peru)

O Peru está com tudo: o número de turistas cresce em ritmo de economia chinesa (11% em 2012), tem o melhor restaurante e o melhor aeroporto da América do Sul e suas paisagens embelezaram alguns capítulos da novela Amor à Vida da Globo.

A Bolívia, ainda que muito timidamente, quer seguir esses passos. Restaurantes sofisticados que exploram cores e sabores regionais – a fórmula que deu fama à gastronomia peruana – começam a surgir em La Paz. E a “capital mais alta do mundo”, como eles não se cansam de bradar, já se firmou como um dos destinos mais legais para o turismo de aventura no mundo.

Mas, como em praticamente todo lugar da América Latina, nossos vizinhos guardam muitos perrengues para o turista. São países pobres, com problemas comuns que podem melar qualquer viagem. Separamos dicas valiosas para você visitar esses destinos sem (tanto) estresse. Porque um pouquinho faz parte da aventura, rende boas histórias e dá charme a qualquer viagem.

ENCALHADO EM CALLAO
Há alguns anos o aeroporto internacional Jorge Chavez, principal porta de entrada no Peru, é considerado o melhor da América do Sul. No World Airport Awards de 2013, ficou em 25º lugar (nenhum brasileiro conseguiu ficar entre os 100). Mas a excelência do aeroporto não faz milagre. Chegar a ele pode ser um caos, mesmo que esteja a menos de 10 quilômetros de distância do centro de Lima.

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Lima é fascinante, mas tem um trânsito que enlouquece até paulistano

O aeroporto fica na tumultuada Callao, cidade portuária vizinha da capital peruana. Então, não brinque com o tempo. Você pode ficar preso entre os coloridos e velhos ônibus e os pequenos e barulhentos carros peruanos por horas até chegar ao Jorge Chavez. O trânsito em Lima é travado e em Callao é pior ainda. Pense na Marginal Tietê em seus dias mais inspirados quando você precisa chegar a Cumbica. Saia três horas antes do voo e evite estresse.

Chegando lá, prepare-se para algumas idiossincrasias do tal melhor aeroporto do continente. Na falta de porta automática, um guarda libera a entrada dos usuários um a um, à medida que vê documentos ou bilhetes de passagem. A fila do lado de fora, no relento, é inevitável. No banheiro, é comum encontrar descargas que não funcionam. Mas os problemas aparentes normalmente ficam nisso. No mais, o aeroporto é iluminado, bem sinalizado e bonito.

DE ÔNIBUS NO PRECIPÍCIO
Arequipa é a segunda maior cidade do Peru, mil quilômetros ao sul da capital. É longe, então o melhor jeito é ir de avião (LAN e Taca. E ambas as companhias, além da TAM, levam a Arequipa desde algumas cidades brasileiras). Mas se você ficou até altas horas bebendo piscos sours e perdeu o voo em Lima, o jeito é encarar o ônibus.

Lima, curiosamente, não tem rodoviária. Os clientes embarcam na garagem da própria companhia, que funciona como uma minirrodoviária, com serviço, sala de espera etc. Complica a vida de quem vai comprar passagem, mas felizmente as melhores se concentram na mesma região, próxima ao distrito de San Isidro, o bairro de negócios da capital. Reconhecida como a melhor companhia, a Cruz del Sur tem ônibus equivalentes a uma empresa comum no Brasil. Então não espere sofisticação além da conta. A vantagem dela é cobrir a distância até Arequipa em apenas 11 horas.

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Viagens pelas estradas do Peru são cansativas. Não pegue o ônibus errado

Porque se você escolher uma companhia mais simples, prepare-se para encarar até 16 horas na estrada, com momentos de pura emoção. Muitos trechos próximos a Ica, cidade atingida por um terremoto em 2007, e Pisco, a terra da bebida homônima, são terra devastada. Fábricas e galpões abandonados e estradas beirando o precipício, sem guard-rail, com o Pacífico batendo forte lá embaixo. Uma paisagem desolada. E rara. Há poucos desertos litorâneos no mundo.  

Isso tudo embalado por uma viagem praticamente sem parada, diferentemente do Brasil. Para piorar, o vídeo de introdução na tevezinha do ônibus pode deixar claro o nada sutil aviso: proibido fazer o número dois.

Mas vale a pena conhecer Arequipa, apesar de não ser perto nem de Lima nem de Cusco. A cidade do Prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa é charmosa e branca em seus prédios erguidos com as pedras cuspidas pelos vulcões ao redor. O mais famoso deles, o Misti, é ativo e é o exemplo clássico do que se imagina como um vulcão: um cone quase geométrico, um filtro de café de cabeça para baixo. Lindo.  

A PIOR DOR DE CABEÇA DO MUNDO (OU QUASE ISSO)
Se você conhece alguém que já foi a altitudes elevadas, provavelmente ouviu falar do mal da montanha, as dores por todo o corpo causadas pela aclimatação. É bem possível também que você pense: “ah, isso não vai acontecer comigo”. Bobagem. Em maior ou menor grau, todos sentem. Pode ser uma dorzinha de cabeça aqui, um estômago embrulhado ali ou nem isso. Ou você pode passar a noite toda no banheiro ou sentir uma bigorna batendo num sino na sua testa. Ou tudo isso junto. É horrível, mas passa e pode passar rapidinho. Uma sopa quente pode ajudar um bocado.

Então, nos dois primeiros dias, trate de ficar tranquilinho, sem exagerar na comida nem na bebida e sem fazer muito esforço físico. Isso é necessário acima dos 2.000 metros, altitude comum no Peru e na Bolívia.

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As paisagens andinas são lindas, mas podem dar dor de cabeça

EMBOLADO NOS BOLETOS TURÍSTICOS
Cusco é a cidade mais turística do Peru. O que significa que há uma série de roubadas a evitar e outras a estudar e analisar o que convém. Talvez o principal desse segundo caso seja o boleto turístico. Transtornado e desnorteado com as dezenas de pessoas que o abordam na Plaza de Armas, é provável que você fique sem saber o que escolher dentre tantas atrações sensacionais nos arredores da cidade e no Valle Sagrado.

Então, para começo de conversa, a não ser que você seja um notório fã da cultura inca ou estiver estudando a respeito, algumas atrações do boleto turístico são desprezíveis. Elas só servem para tirar tempo que você poderia estar em Cusco. Veja previamente como são esses sítios. O Google Images ajuda. Ficou com aquela sensação “não quero mais ver pedras amontadas”? Leia a respeito para ver esse aparente entulho tem um significado que o agrade. É possível que sim, esse é o barato de conhecer sítios arqueológicos, é preciso um pouco de imaginação para vislumbrar a vida que existia ali. Mas se mesmo assim ele não o interessou, deixe passar.

Já em Cusco, informe-se sobre como chegar nesses lugares. Algumas agências vendem o boleto, que é um serviço da prefeitura, junto com o próprio pacote, incluindo na conta o transporte e o guia. Outros vendem separadamente, por isso fique esperto para não comprar somente o boleto e depois ficar sem como ir para lá. E, para complicar mais um pouco, os boletos são vendidos por circuitos:

Felipe van Deursen/UOL
Após alguns perrengues, o repórter curte Machu Picchu

Primeiro circuito: Saqsayhuaman, Qenko, Puka Pukara e Tambomachay, que ficam nos arredores da cidade. Só o primeiro é de fato obrigatório.

Segundo circuito: todos dentro de Cusco: Centro Cosco de Arte Nativo, Museo de Sitio Coricancha, Museo de Arte Popular, Museu Histórico Regional e Museo de Arte Contemporaneo, uma galeria com telas bizarras feitas por artistas locais, localizada na prefeitura. Desses, o Histórico Regional é um museu caprichado, vale o passeio.

Terceiro circuito: o valle sagrado de fato: Ollantaytambo, Pisaq, Moray e Chinchero. Com exceção de Chinchero, uma vilinha para comprar lembranças, todos são ruínas incas obrigatórias.

Em resumo, você precisa decidir. Se não quiser pensar, compre o boleto inteiro, que dá direito aos três circuitos e custa 130 soles (cerca de R$ 110). Ou compre os circuitos separadamente por 70 soles (cerca de R$ 60) cada. Só não decida, em hipótese alguma, de supetão, na Plaza de Armas, com um vendedor no seu pé. Pode se arrepender.

Uma última dica? Não vá a nada disso depois de Machu Picchu. Deixe-o por último e transforme a viagem num crescendo de belas emoções incas. O suprassumo do antigo império deve ser conhecido dignamente, e sem estragar todo o resto, que são atrações bonitas, mas ficam alguns níveis abaixo no quesito queixos caídos. Então, se for para Machu Picchu antes e Ollantaytambo depois, por exemplo, você vai se decepcionar.

MACHU PICCHU É CARO. ACEITE
O Peru é um país barato, ainda mais na era dos preços estratosféricos no Brasil em que vivemos. Mas há uma nobre exceção, justamente a atração mais famosa do país, talvez de todo o continente: Machu Picchu. Tudo que envolve a cidade sagrada dos incas é sonoramente mais caro que no resto do Peru:

1) Ingresso - na alta temporada (junho, julho), você irremediavelmente precisa comprar antes, no site oficial. Os tíquetes são limitados para evitar a destruição da cidade.  E são caros.

2) Acesso 1 - Seja nas excursões que partem de Cusco seja no sofisticado trem PeruRail, chegar a Águas Calientes, cidade base de Machu Pichu, não é barato. E se você pergunta sobre a famosa trilha inca, idem.

3) Acesso 2 - Em Águas Calientes, prepare-se para pagar um dos ônibus mais caros do mundo. O transporte ida e volta para o cume da montanha, onde fica Machu Picchu, apenas 20 minutos acima. O preço? US$ 18 (R$ 42). Claro que é possível ir a pé, mas a subida é árdua. Melhor deixar para abusar das pernas lá em cima.

4) Guias e água etc. - Uma vez lá em cima, não demora muito para relaxar e achar que o dinheiro gasto até aqui foi justo. É o mesmo efeito do Bondinho do Pão de Açúcar, que custa R$ 70. É um preço indecente. Mas é o preço de conhecer os lugares mais bonitos da Terra. Machu Picchu é um deles. Tudo é caro. Uma garrafa d’água pode custar R$ 10, os guias cobram o dobro dos de Cusco (mas também são mais bem preparados). Tudo é preço para europeu pagar.

ALPACAS E COCAÍNA
Por se tratar de uma cidade bastante turística em um país pobre, Cusco tem muita gente na rua lutando por um trocado a mais dos turistas. Uma desses tipos comuns são crianças fofas em trajes típicos segurando filhotes de lhama ou alpaca. Convite irresistível para uma foto, ataque de fofura, mil likes no Instagram, aquilo tudo. Mas tome cuidado porque a polícia não gosta muito disso e, caso flagre mais uma pessoa abobalhada tirando fotos da beleza dos filhotes, pode pôr a menina para correr e dar uma pequena bronca em você. E, claro, as fotografias não são de graça. O bom tom pede que se doem algumas moedas.

Emily Wabitsch/EFE
Alpacas servem como objeto de chantagem emocional nas ruas de Cusco

Mas isso não é um problema nem irritação. O que pode tirar você do sério são os infinitos vendedores na Plaza de Armas. De dia, os já citados vendedores de pacotes para as atrações no arredores cusquenhos e pessoas insistentes querendo fazer você crer que não pode terminar o dia sem uma massagem, especialmente se voltou de Machu Picchu. De noite, convites aos montes para entrar nos bares e casas noturnas. Até aí, normal. Mas o mais peculiar é a cara-de-pau para vender drogas. É comum ser abordado por alguém do outro lado da rua, literalmente. Aí gritam (sim, gritam): “gringo, marijuana, cocaína?” ou “brasileño? Quer maconhinha? Quer farinha?”, como se estivessem vendendo um inocente artesanato. Chega a ser engraçado. Não à toa, existe um turismo de drogas forte no país.

COMO FICAR DOIDÃO DE DIESEL
Usar drogas em Cusco é algo passível de escolha. Mas inalar diesel em Puno, não. Na capital do folclore peruano, na fronteira com a Bolívia e às margens do lago Titicaca, Puno é, sem rodeios, uma cidade feia. Um grande amontoado de casas e prédios inacabados que, à distância, se assemelham a uma favela. A malandragem peruana ensina que construções inacabadas têm menos impostos, então deixar sua casa com vergalhões expostos tem vantagens econômicas.

Mas ir a Puno vale a pena para conhecer o esplendoroso Titicaca. Talvez você não consiga admirar com todas as forças, pois o clima é árduo. O deus Sol dos incas brilha intensamente e a imensidão do lago (8.300 km²) podem causar a ilusão de que se está numa praia europeia, dessas sem areia. Eis o erro. A altitude de 3.800 metros somada à brutalidade da luz solar podem detonar mais dores de cabeça. E isso tudo fica ainda pior durante os passeios às obrigatórias ilhas Uros e Taquile, as grandes atrações locais. O problema é que o transporte até elas é feito em barcos mambembes, em que é comum todas as pessoas ficarem alojadas na cabine, respirando o diesel queimado por motores extenuados. Aceite. Faz parte do pacote. Só tome cuidado para não ganhar uma ensolação de brinde.

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Localizado entre Bolívia e Peru, lago Titicaca exige fôlego para ser desbravado

Na vizinha Copacabana, já no lado boliviano, a qualidade dos barcos é basicamente a mesma. E você precisa ir à mítica Ilha do Sol, berço de toda a cultura inca. Na ilha, se resolver fazer a cansativa caminhada do norte ao sul da ilha, saiba que ela é uma experiência bacana, mas que impede que você conheça outros lugares da ilha ou até mesmo relaxe em um restaurante. O tosco agendamento dos barcos faz com que você embarque de volta cedo, pois não há horários disponíveis para mais tarde. O jeito é pernoitar na ilha. Ou aceitar e voltar respirando mais duas horas de diesel.

Mas, em Copacabana, o lago fica ainda mais bonito e a cidade é mais charmosa que Puno, com bares e restaurantes na beira do lago e preços ainda mais baratos que no Peru.

ESTRADA DA MORTE
La Paz é uma das cidades mais legais do mundo para o turismo de aventura. E um dos destinos mais famosos na capital boliviana é a descida de bicicleta na Estrada da Morte, antiga rota que ligava a parte alta do país à baixa. Se você tem um mínimo de coordenação sobre uma bicicleta, vá. É só descer devagar, ninguém obriga a acelerar. Aí, curta a paisagem, que é demais. Começa na neve, termina na selva. Inesquecível. Se quiser adrenalina, acelere e equilibre-se para não cair (com o desfiladeiro sob seus pés). O problema maior é a qualidade das companhias que agendam o passeio. Localizadas no Centro de La Paz, elas podem acabar com tudo.

A falta de segurança das bikes é o problema mais óbvio. Certifique-se da qualidade dela antes de embarcar. Isso pode salvar sua vida (é sério, já morreram mais de 20 pessoas desde que a estrada virou atração turística, no fim dos anos 90). Mas há outros problemas envolvidos, como negligência em caso de acidentes e roubo de pertences dentro da van. Para evitar roubadas do tipo, pesquise bem sobre as agências antes. Os preços variam muito e nem sempre as mais caras são as melhores. Barracuda, Gravity e Madness, três das mais famosas, têm relatos de roubo e negligência. Eu mesmo não consultei a respeito antes e acabei sendo roubado. Portanto, cuidado.

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