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Conheça Aracataca, cidade que inspirou o mundo fantástico de García Márquez

Destaque para mural em homenagem a Gabriel García Márquez com trecho de uma fala sua sobre a cidade de Aracataca - Felipe Floresti/UOL - Felipe Floresti/UOL
Destaque para mural em homenagem a Gabriel García Márquez com trecho de uma fala sua sobre a cidade de Aracataca
Imagem: Felipe Floresti/UOL

Felipe Floresti

Do UOL, na Colômbia

21/04/2014 17h11

A magia que habitou a imaginação do escritor Gabriel García Márquez (1927-2014) criou uma cidade fantástica. Macondo nasceu com vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. Passou por guerras, amores, exploração e violência ao longo de gerações da família Buendía, eixo central do livro vencedor do Nobel de Literatura, "Cem Anos de Solidão". O que nem todos sabem, porém, é que por trás de toda a fantasia do chamado realismo mágico, gênero explorado pelo escritor, existe a cidade de Aracataca, onde o pequeno Gabito nasceu.

Com cerca de 40 mil habitantes, a primeira vista é difícil perceber o motivo de cada vez mais pessoas deixarem as praias paradisíacas do caribe colombiano rumo à cidade. Ruas de asfalto encobertas de terra, motos e bicicletas adaptadas com uma pequena cabine para servirem como táxi são o que mais chamam atenção ao chegar à cidade. Apesar dos dois monumentos mal conservados em homenagem aos livros do escritor próximas à estação de trem da cidade, além de encontrar o nome, imagem e referências à obra de García Márquez distribuídos por todos os cantos, de escolas e bibliotecas a bares, pouco se vê a magia que atrai os turistas.

É chegando a casa museu construído perto da praça central de Aracataca que se começa a descobrir o encanto para os apaixonados por literatura. A grandiosa casa branca foi onde García Márquez nasceu e viveu boa parte de sua infância, sob os cuidados de seus avós, e serviu de inspiração, juntamente com seus moradores, para o livro "Cem Anos de Solidão".

Seu avô, o coronel Nicoláz Márquez Mejia chegou a Aracataca juntamente com a esposa Tranquilina Iguarán Cotes em 1910, 17 anos antes do nascimento de Gabito, e se transformaram em José Arcadio e Ursula Buendía no realismo fantástico do escritor. José Arcádio chegou à Macondo depois de ser perseguido pelo espírito de Prudencio Aguilar, morto por ele com uma lança no pescoço após um duelo de honra. Assim como o coronel Nicoláz Márquez, que em duelo semelhante matou Medardo Pacheco. O peso da morte seguiu o coronel até Aracataca, assim como José Arcádio em Macondo.

No canto da sala de jantar, destaque para as bananas com uma placa explicando como deve ser consumida. Essa é uma referência à parte do livro "Cem anos de solidão" em que os habitantes de Macondo contraem a doença da insônia e, consequentemente, do esquecimento, precisando de placas explicativas para saberem como utilizar os objetos (Banana: tem que descascar antes de comer) - Felipe Floresti/UOL - Felipe Floresti/UOL
No canto da sala de jantar, destaque para as bananas com uma placa explicando como deve ser consumida. Essa é uma referência à parte do livro "Cem Anos de Solidão"
Imagem: Felipe Floresti/UOL

Gabriel García Márquez também se inspirou nas histórias contadas por seu avô veterano da Guerra dos Mil Dias, que durou de 1899 a 1902 opondo o partido liberal e o conservador pelo poder na Colômbia, para criar outro personagem: o coronel Aureliano Buendía. Tanto na realidade como na ficção o partido liberal defendido por eles foi derrotado pelo governo conservador. Resignados, terminaram a vida fabricando peixes de ouro na oficina da grande casa branca.

Outros ambientes e acontecimentos da casa também foram reproduzidos no livro, como o corredor das begônias, onde era ambientado o universo feminino da casa, e o quarto dos penicos, que servia como o quarto de Melquíades, em que ficavam guardados seus livros e manuscritos. Foi nele que, apesar de ser proibido de entrar, Gabriel Garcia Márquez encontrou quando jovem o livro "Mil e Uma Noites", aguçando seu gosto pela leitura. O nome “quarto dos penicos” é devido a 70 desses itens que ficavam lá guardados desde a época que as colegas de colégio da mãe de Gabriel, Luisa Santiaga Márquez Iguarán, passaram férias na casa. No livro, o episódio se passa com Renata Remédios, a Meme.

Também chama a atenção a falta de colchões nas camas da casa. Talvez seja herança da vez em que, no livro, Amaranta Ursula e Aureliano Babilonia esvaziaram os colchões para sufocarem-se em tempestades de algodão, em suas sessões de amor tórrido.

Deixando a casa, seguindo as borboletas amarelas que, ao contrário das que sobrevoavam Maurício Babilonia, estão pintadas no asfalto, chega-se ao albergue chamado Gypsy Residence. É lá que a estirpe dos Buendía, condenadas a ter somente uma chance sobre a terra, quebra a profecia de Melquíades. O holandês Tim aan’t Goor foi atraído a Aracataca pela literatura de Gabriel García Márquez e, cansado da dificuldade do povo colombiano em dizer seu nome, adotou o sobrenome da família de "Cem Anos de Solidão".

Um dos maiores incentivadores do turismo na cidade, Tim Buendía é o único guia que faz um tour contando a história e as ligações de Aracataca com a cidade fantástica de García Marquéz. O passeio leva a tumba de Melquíades, o cigano, que foi o primeiro a morrer em Macondo e retornou por não aguentar a solidão, ganhou uma tumba no cemitério local para atrair os turistas, por iniciativa do próprio Tim Buendía.

O tour também leva à Casa do Telegrafista, onde trabalhou o pai de García Márquez e cujas correspondências com sua mãe serviram de inspiração para o livro “Amor nos Tempos do Cólera”; e ao rio que dá nome à cidade, cujas pedras que parecem ovos de dinossauros não estão mais lá. Talvez em decorrência da frustrada tentativa de José Arcádio Segundo tornar o rio navegável.

E chega, por fim, à estação de trem de Aracataca, onde no livro parava "o inocente trem amarelo que tantas incertezas e evidências, e tantos deleites e desventuras, e tantas mudanças, calamidades e saudades haveria de trazer para Macondo". É lá que Tim Buendía se atém a contar uma das mais tristes passagens da história do País: o Massacre das Bananeiras, também representado em "Cem Anos de Solidão".

No início do século 20 a empresa americana United Fruit Company passou a explorar a região para a produção de banana. O negócio promissor atraiu muita gente para a chamada Zona Bananeira, criando um intenso desequilíbrio social. Em dezembro de 1928, uma greve de trabalhadores paralisou a produção e exportação das frutas. Defendendo os interesses da empresa, o exército, comandado pelo general Cortés Vargas abriu fogo contra cerca de 5.000 grevistas, incluindo mulheres e crianças.

Nunca se soube o número exato de mortes. Após muito negar, o governo admitiu apenas nove mortes, enquanto o número estimado varia entre 300 e 3.000. Os corpos foram todos levados de trem e jogados ao mar. O episódio aconteceu no município de Ciénaga, mas Gabriel García Márquez transportou a realidade para Macondo, com José Arcádio Segundo sendo líder dos grevistas. 

Apesar dos seus encantos e histórias, somente recentemente parece que o governo começou a  perceber o potencial turístico da região, estimulada pela fantasia da obra de Gabriel García Marquéz. Um projeto chamado “Rota Macondo: Realismo Mágico”, do Ministério da Cultura colombiano vai investir 891 bilhões de pesos (cerca de R$ 900 milhões) na região que envolve Aracataca, Pueblo Viejo, Zona Bananera, Sitio Nuevo e Ciénaga. Investimentos esses fundamentais, levando em consideração o abandono que se encontram locais como a Casa do Telegrafista e os monumentos em homenagem à obra de Gabo. Com a morte do escritor, o fluxo de turistas deve aumentar ainda mais nos próximos meses.

Serviço

Para chegar a Aracataca desde Santa Marta, capital do distrito de Magdalena, basta pegar um ônibus por 10 mil pesos colombianos (cerca de R$ 10) no Terminal Rodoviário. 

http://viagem.uol.com.br/album/2014/04/21/conheca-aracataca-cidade-que-inspirou-o-mundo-fantastico-de-garcia-marquez.htm