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Conheça a igreja que abriga local onde acreditam que Jesus foi sepultado

Andressa Rovani

Do UOL, em Jerusalém

02/04/2015 17h42

Ela é mais modesta do que se imagina. Pelo menos por fora. Construída em pedras que camuflam toda Jerusalém e com um portão imponente, porém discreto, a igreja que sacramenta a fé dos cristãos de todo o mundo passa quase despercebida por quem circula pelas vielas estreitas e abarrotadas de lojas da Cidade Velha. Não há cruz evidente, não há gárgulas, não há protocolo. No Santo Sepulcro, todo mundo entra.

A porta abre às 4 horas da manhã. Não que a expectativa seja encontrar muita gente por lá a esse horário. Meia hora mais tarde, porém, a primeira missa do dia é rezada na edícula pelos católicos romanos. Esta será seguida por outras, a cada meia hora, até às 7h45. A gestão da edícula passa então para as mãos da Igreja Ortodoxa Grega.

Ao se deixar para trás os muitos turistas sentados nos degraus da rua em frente à igreja, a atmosfera se transforma. De imediato, o que se vê ao entrar no Santo Sepulcro não é um altar. A poucos passos da porta, um dos grandes símbolos da fé cristã, a pedra da unção, está inteira à disposição de quem queira tocá-la, beijá-la ou mesmo reclamar sobre ela.

É neste momento que a força do local se impõe. Em poucos segundos, quem observa o monumento dificilmente se mantém indiferente a um número contínuo de pessoas que se coloca de joelhos para, em seguida, fazer alguma reverência ao pedaço de pedra de cerca de 1,70 m de comprimento. É a fé.

Visitantes tocam a pedra da Unção, na entrada da igreja do Santo Sepulcro - Andressa Rovani/UOL - Andressa Rovani/UOL
Visitantes tocam a pedra da Unção, na entrada da igreja do Santo Sepulcro
Imagem: Andressa Rovani/UOL

Pela tradição cristã, foi ali, na pedra hoje rodeada por candelabros e decorada com campanários, que o discípulo José de Arimateia deitou e perfumou o corpo de Jesus Cristo com mirra e aloés para que fosse enterrado depois de ser retirado da cruz.

O brasileiro Emerson Lima e a filha Isabela estão a postos. Ele coloca seus pertences em um dos cantos da pedra – o ato, repetido por muitos, é feito em busca de benção que se acredita transmitir para cada um dos objetos. Há carteiras, fotos, chaves, lenços. “Jesus veio à Terra para mostrar que devemos nos respeitar uns aos outros. Pena que não acreditaram nele e ele teve que partir”, diz ele, emocionado. “Mas ele está vivo em nós.”

Se o exterior austero sugere modéstia, o interior deslumbra em detalhes. Logo atrás da pedra da unção, a parede de grandes proporções impõe à toda vista um mosaico armênio dos anos 1970 em tons dourados. Ele pode ser visto desde a entrada e representa as cenas em que o corpo de Jesus é tirado da cruz, acompanhado pelas três Marias.

Mais alguns passos e é possível ver uma construção no nível superior, acessível por uma escada íngreme e estreita. Esta parte elevada foi construída pelos cavaleiros da primeira Cruzada, que há quase mil anos rumaram para o Oriente com a missão de libertar o Santo Sepulcro e toda a Terra Santa da dominação muçulmana.

No alto, estão a Capela da Crucificação, administrada pelos católicos romanos, e o Altar do Calvário, que pertence aos ortodoxos gregos. É aqui, neste ponto, em que, pela tradição cristã, a cruz de Jesus foi erguida. Simbolicamente, há no alto a imagem de Jesus crucificado. De cada lado do altar, caixas de vidro deixam ver a rocha branca que permitiu a fixação da cruz. No meio, por baixo do altar, há um pequeno buraco no qual é possível tocar a pedra santa. Para isso, é preciso ficar de joelhos diante do altar. Uma fila permanente de peregrinos aguarda sua vez: é hora de fazer pedidos e deixar pequenas cruzes trazidas do país de origem.

Fiéis se ajoelham para rezar na capela do Calvário, diante da pedra na qual a cruz de Jesus teria sido erguida - Andressa Rovani/UOL - Andressa Rovani/UOL
Fiéis se ajoelham para rezar na capela do Calvário, diante da pedra na qual a cruz de Jesus teria sido erguida
Imagem: Andressa Rovani/UOL

O Santo Sepulcro abriga cinco das 14 estações da Via Crucis. Percorrer os passos de Cristo, estar onde ele esteve, meditar sobre o caminho da dor é o que impulsiona milhares de peregrinos em direção à igreja, desde que ela foi construída, no século 4. Para celebrar a Páscoa, missas e procissões tomam conta desse trajeto, que recebem também muitos brasileiros.

A busca pelos símbolos sagrados impulsionava viajantes de todo o mundo desde a ressurreição de Cristo. Helena, mãe do imperador romano Constantino, era um deles. Em peregrinação a Jerusalém por volta do ano 330 d.C., ela, hoje Santa Helena, empreendeu buscas pela cruz sagrada. E a encontrou dentro de uma antiga cisterna. O local ainda existe e pode ser visitado dentro do Santo Sepulcro, ao lado de uma parede com milhares de pequenas cruzes deixadas por peregrinos armênios ao longo dos séculos como prova de sua devoção.

Movida pela descoberta da cruz e da tumba da ressurreição, Santa Helena manda erguer no local uma igreja para demarcar o monte Gólgota, do calvário, e preservar o local mais sagrado dos cristãos, o da ressureição. Assim nasce o Santo Sepulcro, em 335 d.C. O coração da igreja, onde as seis comunidades cristãs que dividem cada metro da construção se encontram, guarda a tumba na qual o corpo de Jesus foi colocado. É em torno dela que giram as principais missas, que se formam filas de visita e para onde são dirigidas as orações.

Quando a porta se fecha, começam os serviços noturnos. A primeira missa é celebrada pela Igreja Ortodoxa Grega, a 0h30, duas horas mais tarde seguida pelos armênios. Os incensários são acesos e garantem a atmosfera única que o visitante vai encontrar dali a poucas horas, já no dia seguinte.

Área destinada à Igreja Ortodoxa Grega, dentro do Santo Sepulcro - Andressa Rovani/UOL - Andressa Rovani/UOL
Área destinada à Igreja Ortodoxa Grega, dentro do Santo Sepulcro
Imagem: Andressa Rovani/UOL

Jerusalém abriga dois locais santos do sepultamento

Antes da chegada de Santa Helena a Jerusalém, no século 4, a busca pelos sinais que Jesus teria deixado já motivava viagens de peregrinos à região. Mas, com Helena e o anúncio da localização desses elementos, os peregrinos passaram a ter certeza de que poderiam se dirigir a um lugar onde teriam um encontro profundo com Jesus, explica o professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, André Chevitarese.

Na medida em que esses sítios eram organizados por Helena, ela manda construir igrejas. No mais sagrado de todos eles, que guardava os locais de crucificação e ressureição de Jesus, construiu-se aquela que ainda é, depois de 1680 anos, a maior igreja da Cristandade.

Os evangélicos e protestantes, porém, acreditam que Jesus foi enterrado e ressuscitou em outro ponto da cidade de Jerusalém, localizado fora dos muros da Cidade Antiga. O terreno abriga o Jardim da Tumba, a poucos passos de onde hoje se encontra o portão de Damasco, foi comprado em 1894 por uma associação britânica que administra o lugar e passou a ser destino de peregrinos desde então.

O historiador alerta que todas as referências dos sítios sagrados cristãos, sem exceção, datam do século 4 em diante. Isso quer dizer que entre a experiência vivida por Jesus e a localização desses sítios se passaram 300 anos, no caso de Helena, e mais de 1800 anos, no caso do Jardim da Tumba.

"Isso sugere que muitos desses sítios são mais o desejo de homenagear a liderança religiosa do que o local exato em que os fatos ocorreram", diz ele. Para a fé, ele foi enterrado ali naquele local exato, de onde ressuscitou após três dias. "Para a ciência, é preciso considerar que, no Império Romano, que ia das Ilhas Britânicas até o Iraque, a crucificação era mais comum do que se pode imaginar". 

* A repórter viajou a convite do Ministério do Turismo de Israel