UOL Viagem

25/07/2008 - 18h08

Mar de Andaman, na costa tailandesa, onde o pecado tem licença para existir

MARCEL VINCENTI
Colaboração para o UOL, da Tailândia

Fotos Marcel Vincenti/UOL

Península de Railay: três praias, onde cavernas são vizinhas do mar

Península de Railay: três praias, onde cavernas são vizinhas do mar

Mar de Andaman, Tailândia. Turistas de todo o mundo não têm pensado duas vezes: tiram férias e vêm aportar em massa nesse idílico litoral asiático. Nada raro. As praias daqui estão entre as mais belas do mundo, o custo de vida, entre os mais baixos e, sejam monges, meretrizes ou matriarcas, os súditos do rei Bhumibol Adulyadej formam paisagem única de ser observada. Chamam a região de paraíso, onde o pecado tem licença para existir. Festas regadas a Sang Som (o rum local) atravessam as noites e, na feição embriagada dos jovens estrangeiros, um ponto de exclamação: "é bom estar longe de casa".

Tanta animação dá ao local cara de parque temático, mas, ainda assim, a vida aqui pode ser linda e simples como um bangalô na areia. Acordar às sete da manhã porque seu quarto se transformou em sauna (o calor é infernal e o ventilador mal consegue fazer seu trabalho) deixará de ser um problema. Perguntar-se por que os tailandeses usam baldes d´água como descarga deixará de ser uma angústia. No reino da Tailândia, afinal, tornar-se cigano do mar é possível. O oceano que banha a costa sudoeste do país está recheado de ilhas majestosas. Movimentar-se entre elas dará ao turista muitas milhas náuticas e a certeza de que navegar é preciso e viver para ver tamanha beleza, mais ainda.

Warit é um humilde barqueiro no mar de Andaman e imagino que ele tenha um dos melhores trabalhos do mundo (o rapaz também deve imaginar, pois é todo sorrisos). Sua função é transportar turistas entre a ilha Phi Phi Don e a ilha Phi Phi Leh, dois monumentos que a natureza resolveu erguer no meio do Oceano Índico. Ambas envolvem baías de água verde-esmeralda entre seus paredões de calcário, em um ótimo ambiente para o mergulho e a contemplação da vida marinha.


Estátuas e desenhos fálicos deixados pelos pescadores à divindade Sri Kunlathewi na península de Railay, na Tailândia
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A baía de Maya, em Phi Phi Leh, por sua perfeição natural, foi cenário do filme "A Praia", no qual três viajantes —Leonardo DiCaprio entre eles— deixam a caótica rua Khao San (o centro mochileiro de Bancoc) em busca de um paraíso utópico. A baía é mais bonita ao vivo do que nas telas. O grande afluxo de turistas, porém, somado à incúria dos tailandeses, geram cenas que se encaixariam melhor em filmes do apocalipse. Pontas de cigarro podem ser achadas na areia, e tive o azar de presenciar um norte-americano se sentar no raso da água, empunhar uma escova de dentes e (é isso mesmo o que vocês estão pensando) prezar por sua higiene bucal ali mesmo. Sinceramente, nem as ilhas Phi Phi nem eu precisávamos dessa.

A costa sudoeste da Tailândia, contudo, já sofreu estragos maiores. A região foi uma das áreas devastadas pelo tsunami de 2004. Os visitantes, por algum tempo, minguaram, e os nativos ainda temem que novos desastres possam ocorrer. Warit, o barqueiro feliz, é um sobrevivente. Seu trabalho salvou sua vida. Ele conta que, na manhã do dia 26 de dezembro de 2004, estava em alto-mar com um grupo de turistas quando enormes ondas levantaram seu barco.

Nada aconteceu com ele nem com seus passageiros, mas nem por isso seu relato deixa de ser chocante. Impulsionado por terremoto ocorrido sob o mar de Sumatra, a mil quilômetros daqui, o tsunami iria varrer a vila de Warit do mapa. "Voltei para Phi Phi Don e estava tudo destruído. Havia gente morta e eu só podia tremer", conta ele. Sua família, por sorte, sobreviveu, e Warit confirma o que outras pessoas já haviam me dito: apesar do receio de novos desastres, não pensa em deixar as ilhas Phi Phi. "Gosto daqui", diz, antes de abrir um óbvio sorriso.

Não é só em ilhas, entretanto, que a beleza do litoral tailandês se refugia. Muitas praias no continente têm beleza extraordinária. Na península de Railay, cavernas são vizinhas do mar e é possível entrar na água e nadar embaixo de estalactites. Os paredões de calcário da península proporcionam desafiadoras escaladas e são convite prontamente aceito por amantes de esportes radicais.

Railay é dotada de três praias e, na mais interessante delas —a fotogênica Phra Nang— destaca-se um curioso templo. Incrustado em uma caverna e dedicado à deidade Sri Kunlathewi (conta a lenda ser uma princesa indiana que, no século 3 a.C., naufragou nessas paragens), o local é recheado de estátuas e desenhos fálicos. Os pescadores trazem à deidade tais obras quando têm boa sorte no mar.

Luz vermelha, manto laranja

O monarca Bhumibol Adulyadej, o venerado rei da Tailândia, me dá as boas-vindas quando chego a Phuket, a mais turística ilha do país. Seu rosto sério e professoral, estampado em larga escala na estrada, parece dizer aos que passam: "comportem-se, meninos". Phuket tem belas praias e inúmeros resorts para a família, mas, ao lado de seus bairros boêmios, a rua Augusta (tradicional reduto de inferninhos paulistano) ganharia a atmosfera de um mosteiro.

Patong é o mais festeiro desses bairros e aqui se vê a síntese de toda a permissividade que a Tailândia oferece aos seus visitantes. Sua rua principal se torna, quase todas as noites, um labirinto humano parcamente iluminado por letreiros de néon. Prostitutas dividem a calçada com lady boys (os transexuais tailandeses) e ambos tentam com igual esforço chamar a ébria atenção dos estrangeiros.

Sou parado diversas vezes pelos promotores das casas de dança que, em um cardápio, me mostram todos os objetos —e animais— com os quais as moças se penetram durante suas performances. As opções vão de bolinhas de pingue-pongue a canários de asas cortadas. Para completar o circo, alguns tailandeses andam pela multidão com enormes lagartos sobre os ombros e, por alguns baht, deixam turistas tirar fotos com os répteis na cabeça. Mas, aqui, nada é levado muito a sério. Pais levam os filhos para passear nas noites de Patong e maridos levam as esposas para ver os shows de pingue-pongue. E todos parecem bem felizes com o entretenimento.

Phuket, contudo, além das luzes néon, também oferece iluminação espiritual. Templos budistas de arquitetura trabalhada podem ser encontrados na ilha. No Wat Chalong, é possível contemplar monges em seus mantos laranja, ver fiéis em suas preces ou admirar, nos arredores, partidas despreocupadas de takraw, uma espécie de vôlei jogado com os pés pelos tailandeses. Aqui, comportar-se é modo de vida.


Uma das belas vistas da costa tailandesa, onde é viver como cigano do mar é possível
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Ilha lado B

"Não há ninguém nesse lugar", me diz um mochileiro sul-africano quando chego à ilha Phayam, já perto da fronteira com Mianmar. Após duas semanas vendo mais turistas do que tailandeses, não deixa de ser uma alegria saber que achei um lugar fora do mapa da diversão. E, de fato, Phayam daria melhor cenário para o seriado "Lost" do que para "A Praia" de Leonardo DiCaprio. A orla da ilha não é tão bela, mas seu interior, recluso nas sombras de seringais, tem atmosfera selvagem.

O aspecto de lugar esquecido de Phayam começa já em Ranong, a cidade no continente de onde saem os barcos para a ilha. Trata-se de um porto lamacento e, comigo na embarcação, vão apenas duas dezenas de tailandeses e três estrangeiros quarentões com jeitão hippie.

Phayam já tem algumas pousadas espalhadas por suas praias, mas, como proferiu meu amigo sul-africano, o lugar é quase desabitado. Sua população é de aproximadamente 500 pessoas e os estrangeiros na ilha são, em sua maioria, trabalhadores de Mianmar que, mão-de-obra barata, vêm até aqui labutar na extração de borracha e na colheita de satoh, leguminoso utilizado na culinária tailandesa.

Um conselho: caso você queira se sentir em uma ilha deserta, visite Phayam na baixa temporada (abril a outubro). A praia na frente de seu bangalô estará vazia, as ótimas cozinheiras tailandesas estarão dedicadas somente ao seu estômago e os seres vivos que você mais verá serão seus vizinhos lagartos. Um mundo deliciosamente distante.

A Tailândia que cabe no bolso:

Diária de quarto com despertador natural (o calor) na ilha Phi Phi Don:
300 baht (R$ 14,25)
Diária de bangalô com lagartos em Ko Phayam:
200 baht (R$ 9,50)
Garrafa de cerveja Chang nas lojas de conveniência 7Eleven:
50 baht (R$ 2,40)
Prato bem servido de comida em qualquer lugar:
100 baht (R$ 4,75)
Passeio de barco com Warit pelo paraíso:
500 baht (R$ 23,75)

Veja mais: Veja fotos do litoral da Tailândia

* O mochileiro Marcel Vincenti, 25 anos, partiu dia 9/4/08 para uma volta ao mundo de 12 meses e mostra todo mês em UOL Viagem o que tem visto por aí. Saiba mais

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